Nesse texto buscar-se-á fazer uma relação entre a obra literária Seis personagens à procura de um autor de Luigi Pirandello e da obra Slow Man de J. M. Coetzee.
Na primeira obra o autor faz um contraponto entre o eu social e o eu autêntico, considerando que o ser humano é aprisionado a um impasse trágico, afirmando que é impossível fazer a peça do "teatro no teatro", porque é impossível viver autenticamente a vida: uma vez que se entra – voluntariamente ou não – no jogo da ficção, não é mais possível encontrar qualquer realidade.
Nessa obra verifica-se a seguinte questão: seis personagens que invadem o ensaio de uma outra peça de Pirandello e insistem em representar suas vidas legítimas, propondo ao Diretor do teatro que assuma o papel de autor. Ficando a questão: qual o papel do autor procurado pelas personagens? A entrada dos seis personagens (Pai, Mãe, Enteada, Filho, Menina e Rapazinho) provoca um grande estranhamento no Diretor, que, no momento, estava no meio de um ensaio.
Essa obra é uma das mais complexas de Pirandello, na sua abordagem, trata do drama dos personagens angustiosamente em busca de sua definição, a criação de uma obra pelos profissionais do teatro e as alterações que ela pode sofrer.
Bernardini (2004, p. 13) destaca em prefácio a tradução de Sérgio Flaksman que a obra Seis personagens à procura de um autor que para “Pirandello – que, além do gosto de descrever essas histórias, sentem uma profunda necessidade espiritual de fazer com que elas se “embebam” de um particular sentido da existência e adquiram, por isso mesmo, um valor universal.”
Os personagens estão aí (com ou na sua imagem) e Pirandello não encontra neles (na história deles) um sentido que lhes dê valor. Coloca-os então de lado, que não aflijam o leitor. Mas os personagens (criaturas mentais) afligem o autor: inserem-se entre suas idéias, ocupam seu tempo e sua imaginação, querem realizar-se artisticamente, querem representar sua história (seu drama) no lugar mais apropriado para um drama: no palco. Muito bem, diz o autor, eles que se arranjem. (BERNARDINI, 2004, p. 15).
Para a obra de Pirandello só é possível de viver no mundo imaginário. Tanto que há ocorrências de mortes e suicídios nas suas seis personagens. Discute-se o fazer teatral, a relação ator/personagem e até mesmo a busca metafísica do homem por seu criador.
Os personagens se dizem personagens e não atores, o que cria certa magia em torno de seus atos e de suas falas. Demercy-Mota (2005, p. 02) destaca que:
Esta peça de Pirandello pode exprimir toda a sua pujança, a sua enorme força, porque contém um mistério que é a contaminação do mundo visível pelo mundo invisível, “um mundo surreal”, onde a magia escondida, terrífica e mortal, à qual não se poderia esperar a partida, toma naturalmente o seu lugar no teatro.
O teatro encontra-se, portanto, invadido pelo que lhe é essencial, o seu próprio coração, a sua seiva: as personagens! Personagens que não estão apenas à procura de um autor, mas da totalidade do teatro, todo o teatro deve pôr-se ao seu serviço, ser vampirizado pelas suas existências, pela sua incompletude, pelo seu drama violento que nem chega a ser consumado. E é esse drama que é preciso repetir para fazer o teatro existir.
Pirandello destaca que as personagens já se destacaram dele, vivendo por conta própria:
Adquiriram voz e movimento; já se tornaram, portanto, na luta que tiveram de sustentar comigo para defender a sua vida, personagens dramáticas, personagens aptas a falar e mover-se por si; como tais a si-próprias se vêm desde já; aprenderam a defender-se de mim; saberão também defender-se dos outros. E, se assim é, deixemo-las viver onde habitualmente as personagens dramáticas vivem a sua vida própria: num palco.
Seis personagens à procura de um autor é a obra mais representativa de Pirandello, onde a expressividade de muitos atos de efeitos ( todos eminentemente teatrais) tornam-se cíclicos até o final da peça. O leitor muitas vezes se sentem como os próprios personagens que surgem da sombra. Pode-se dizer que o caso de Pirandelo há uma superteatralidade da vida, podendo-se questionar até que ponto a vida é puramente teatro.
Nieva (2001, p. 08) afirma que “basta por um ponto para que qualquer realidade tornar-se teatralidade e cobrir uma dimensão nova”. Nisso tudo, percebe-se que a vida é uma mentira e que a verdade é teatro. A realidade é uma ficção da realidade. Seis personagens à procura de um autor requer que o leitor se torne no próprio diretor da cena de sua leitura. Quando ele consegue a leitura de Pirandello lhe captura no lançando ao teatro.
Já na obra Slow man do sul-africano J.M. Coetzee, conta-se a história de Rayment Paul de 60 anos, um fotografo e arquivista aposentado, divorciado e sem filhos que vive sozinho. Num certo dia, ele é atropelado por um carro enquanto andava de bicicleta. Como conseqüência ele tem que amputar uma de suas pernas. O protagonista acaba sentindo que sua vida se tornou tão circunscritos que ela já não vale viver.
Quando ele volta para casa, ele contrata uma enfermeira para cuidar dele, ela chama-se Marijana. Ele logo se apaixona por ela, só que esta possui três filhos e é casada. Enquanto Paul pondera como conquistar o coração dela, recebe a visita da misteriosa escritora Elizabeth Costello, personagem de outros dois livros de Coetzee, que desafia Paul a assumir um papel ativo na própria vida.
Nessa obra, cabe ao leitor refletir sobre aquilo que nos torna humanos e o que significa envelhecer.
Elizabeth Costello é uma personagem de uma obra de Coetzee a qual é uma famosa escritora australiana. Ela é protagonista de outra obra, mas que visita a obra Slow Man. A personagem escritora na obra intitulada com seu nome retorna as conferências literárias provocativas e inspiradoras. No entanto, na obra Slow Man ela reaparece. O que implica que Rayment é nada mais do que um personagem que tem evocado na cabeça dela.
Durante a obra, existem muitas outras reuniões entre Rayment e Costello e, com ela sempre lembrando-lhe o que ele é um tolo e praticamente implorando para ele fazer alguma coisa, qualquer coisa. O que permite explorar a relação um escritor e suas personagens.
Esposito (2003, p. 01) destaca que Costello intervem na decisão de vida de Rayment não por amizade ou por compaixão, mas como uma autora no diálogo criativo de um personagem: “Assim que alguém, algures poderia colocá-lo em um livro. Assim que alguém pode querer colocá-lo em um livro... Para que você possa ser útil a criação de um livro... Torne-se importante, Paul. Viva como um herói. ... Ser um personagem principal."
Assim, podemos dizer que em Seis personagens à procura de um autor é possível verificar a busca pela representatividade teatral como conjunto da vida. Onde vida real e imaginário se confundem causando um estranhamento no leitor. A invasão dos personagens no ensaio é a invasão da vida real na imaginação que pretende representar o drama da vida real.
Em Slow Man a situação parece ser invertida, onde a vida real é invadida pela imaginação ou representação, criando conflitos e interrogações no protagonista. A presença de uma autora que deixa a crer que visita seu personagem doente inverte o sentido da busca da família Pirandellana.
REFERÊNCIAS:
BERNARDINI, Aurora Fornoni. Pirandello: Máscara, Persona e Personagem. In: PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens à procura de autor / Luigi Pirandello ; tradução Sérgio Flaksman. – 1. ed. – São Paulo: Peixoto Neto, 2004. (Os grandes dramaturgos).
COETZEE, J. M. Slow Man. Martin Secker & Warburg. New Zeland. 2005.
DEMERCY-MOTA, Emmanuel. Seis Personagens em Busca de Autor de Luigi Pirandello com Encenação Emmanuel Demarcy-Mota. A Companhia de Teatro de Millefontaines. França. Grande Auditório. Centro Cultural de Belém, Lisboa, 2005.
ESPOSITO, Scott. Por um personagem principal. Disponível em: http://www.sfstation.com/slow-man-by-j-m-coetzee-1497&ei=pXNLSt7aMo. Acesso em: 14/06/2009.
NIEVA, Francisco. Prólogo de Seis Personajes en busca de autor. Unidad Editorial, S. A. c/ Pradillo, 42 28002 Madrid.
PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens à procura de autor. Tradução Sérgio Flaksman. – 1. ed. – São Paulo: Peixoto Neto, 2004. (Os grandes dramaturgos).
TRABALHO APRESENTADO COMO PARTE DA AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA DE LITERATURA INGLESA II
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