André Gilberto Boelter Ribeiro


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sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Relações Públicas no terceiro setor: confronto e compromisso


São freqüentes as discussões em torno da absorção do aluno formado em Comunicação Social, habilitação relações públicas, pelo mercado de trabalho atual, principalmente, em sala de aula, entre alunos, professores e profissionais (quando convidados). Cada vez mais freqüentes são, também, as afirmações de que o terceiro setor aparece como um mercado “novo” e promissor para os profissionais de relações públicas. A inquietação que surge diante deste “novo” cenário, é saber se este profissional estaria apto a cumprir o seu papel de gestor dos processos comunicacionais do terceiro setor.
A proposta deste texto, portanto, é trazer à tona algumas reflexões e recortes bibliográficos sobre o exercício profissional de relações públicas na área do terceiro setor, que possam nortear uma investigação mais profunda, sem a obrigatoriedade de serem conclusivos.
O estímulo principal para buscar informações sobre este tema é resultado de algumas experiências isoladas de grupos de alunos que partiram para atividades práticas e desenvolvimento de projetos experimentais ligados ao terceiro setor, cujas situações nos mostraram que o envolvimento pessoal traz novas exigências, com novas posturas, além de novos conhecimentos. Além disso, as abordagens teóricas também devem subsidiar um projeto de pesquisa cuja ementa é a seguinte:

Os investimentos sociais das empresas estão obtendo cada vez mais atenção por parte dos meios de comunicação, bem como pela sociedade em geral. Em contrapartida, as empresas intensificam suas atividades voltadas para as comunidades, firmando a sua imagem como empresa-cidadã, pois já se deram conta do valor estratégico de uma gestão socialmente responsável, percebendo os resultados positivos, como a ampliação de sua aceitabilidade e legitimidade organizacional. Neste contexto, busca-se fazer algumas reflexões sobre as formas de atuação das empresas, geralmente, fundamentadas num discurso de responsabilidade social, mas que nem sempre são condizentes com sua conduta social. Partindo deste universo discursivo e prático das empresas, o objetivo do trabalho é analisar os projetos sociais realizados pelas mesmas, identificando o processo comunicativo que faz parte dos sistemas e práticas de comunicação interna e externa das organizações. Avalia-se, também, neste contexto, a participação de profissionais de relações públicas como gestores de programas e projetos de cunho social no âmbito das organizações.


O terceiro setor, segundo FERNANDES (1994), teórico nacional, é o termo que vem sendo utilizado para designar o conjunto de iniciativas provenientes da sociedade, voltadas à produção de bens públicos, como, por exemplo a conscientização para os direitos da cidadania, a prevenção de doenças transmissíveis ou a organização de ligas esportivas. Setor independente, setor voluntário, setor não-lucrativo,entre outros, são termos diferentes para fazer referência a este mesmo setor, que reúne organizações bastante heterogêneas, com fins públicos.
O terceiro setor vem se firmando no Brasil aos poucos. Estudos e pesquisas neste campo ainda pouco conclusivos, tem obtido maior ênfase no enfoque organizacional. Ainda permanece um questionamento sobre o que constitui exatamente o terceiro setor, sendo identificadas insuficiências na gestão das organizações que dele fazem parte, com falta de profissionais capacitados.
Este cenário traz novos desafios, como entender a lógica de funcionamento e organização do terceiro setor, além de propor contribuições de ordem prática para torná-lo mais eficiente na condução de suas ações. Para FALCONER (1999),

embora o terceiro setor esteja sendo alçado a uma posição de primeira grandeza, como “manifestação” da sociedade civil e parceiro obrigatório do Estado na concepção e implementação de políticas públicas, a realidade deste setor, quanto ao grau de estruturação e capacidade de mobilização, ainda está muito aquém da necessária para que cumpra os papéis para os quais está sendo convocado, seja por características políticas e culturais brasileiras, como a alegada “falta de tradição associativa”, seja por deficiências na gestão destas organizações.

A discussão sobre o tema, de certa forma, pode e deve incluir duas situações principais: (1) o profissional que atuará dentro das empresas privadas e que irá desenvolver ações para fortalecer e exercer a cidadania empresarial e a responsabilidade social; (2) o profissional que irá trabalhar diretamente nas organizações sem fins lucrativos, ou melhor, nas organizações que compõem o terceiro setor.
Em relação a primeira situação é possível identificar como questões centrais a prática da responsabilidade social e a adoção do discurso de cidadania empresarial, principalmente no que diz respeito às ações empresariais junto à comunidade. A finalidade aqui é compreender melhor o que significa exatamente ser uma empresa-cidadã e questionar o uso “fácil” do termo cidadania, em nossa sociedade, e particularmente, explorado no meio empresarial.

Empresa-cidadã

DAGNINO (1994), no artigo Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania, fazendo considerações sobre o uso desta expressão e historiando sobre sua origem e evolução, observa que o seu uso tem sido feito com sentidos e intenções diferentes, nem sempre condizentes com o sentido original e inovador.
A idéia de cidadania remonta à polis grega, com a noção de cidadão, num contexto em que se mantinha a hierarquização social e a exclusão social. Nos dias de hoje fala-se de uma nova cidadania ou cidadania ampliada (DAGNINO,1994), que ainda está sendo construída pelos movimentos sociais e por atores de identidades diversas, principalmente na América Latina, tendo como itens principais, conforme situa Scherer-Warren (1999):
(1) o reconhecimento do direito a ter direitos, principalmente garantindo os direitos dos “excluídos sociais”; (2) conquista de novos direitos, os chamados direitos de “terceira geração (ecológicos, de gênero, étnicos etc.); (3) o cumprimento dos direitos, das leis estabelecidas e não praticadas no Brasil.
Esta autora enfatiza que a ampliação dos direitos de cidadania está relacionada aos processos de democratização da sociedade, onde, certamente, empresas privadas e organizações que compõem o terceiro setor tem participação fundamental, mesmo que em escalas diferenciadas.
O setor empresarial, cada vez mais, está entendendo e investindo em questões públicas. Na década de 1990 intensificou sua ação no social, assumindo-a como uma estratégia. Mas os resultados da pesquisa “ A atuação social das empresas – percepção do consumidor” do Instituto Ethos de Responsabilidade Social e do Valor, mostram que os consumidores cobram coerência nas ações das empresas. Os trabalhos realizados junto à comunidade devem fazer parte de uma prática que permeia toda a conduta dos negócios. Ou seja, exige-se consistência e coerência nas ações empresariais, ou no termo mais atual, uma atuação com responsabilidade social, o que pressupõe um comprometimento com toda a cadeia produtiva da empresa.
O termo cidadania empresarial, disseminado no Brasil a partir de meados da década de 1980, especialmente fomentado pelo trabalho do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), o qual congrega empresas, fundações empresariais e institutos ligados a empresas que apóiam iniciativas sociais, tem sido utilizado para descrever o papel de responsabilidade social e ambiental das empresas. A construção conceitual do terceiro setor deve-se ao reconhecimento da importância do trabalho das Organizações Não Governamentais (ONGs), pela sociedade globalizada, a partir dos anos de 1980, mas o GIFE foi o principal responsável pela popularização, no Brasil, da expressão terceiro setor.
Para uma maior compreensão do termo cidadania empresarial, buscamos algumas definições:
Para SCHOMMER (1999) cidadania empresarial pode ser definida como “uma relação de direitos e deveres entre empresas e seu âmbito de relações e como participação ativa das empresas na vida de suas cidades e comunidades, participando das decisões e ações relativas ao espaço público em que se inserem”. Portanto, predomina a idéia de cidadania entendida como relação de direitos e deveres, onde a empresa é independente de seus instituidores, possuidora de direitos e deveres no seu âmbito de atuação. A autora esclarece que a idéia de cidadania baseia-se na igualdade, o que torna difícil determinar que funções uma empresa deve cumprir para ser considerada cidadã, já que a cidadania também não se limita à lei. Cada sociedade cria uma imagem ideal de cidadania, o que resulta em diferentes visões de cidadania empresarial em cada país ou região e em cada época distinta.
Para MELO NETO & FROES (1999) “a cidadania empresarial é um novo conceito que surgiu em decorrência do movimento de consciência social que vem sendo internalizado por diversas empresas. Objetiva conferir uma nova imagem empresarial para aquelas empresas que se convertem em tradicionais investidoras em projetos sociais”. Trata-se de um diferencial competitivo, com uma nova postura empresarial – “empresa que investe recursos financeiros, tecnológicos e de mão-de-obra em projetos comunitários de interesse público. (...) Esta torna-se cidadã quando contribui para o desenvolvimento da sociedade através de ações sociais direcionadas para suprimir ou atenuar as principais carências dela em termos de serviços e infra-estrutura de caráter social”. A idéia predominante sobre cidadania empresarial, neste contexto, é o exercício pleno da responsabilidade social, mas que funciona como um investimento estratégico.
O profissional Lesly (1995), uma das autoridades americanas em relações públicas, afirma que a organização “é um cidadão organizacional” por ser “ um elemento da comunidade (o que inclui a nação e o mundo). Ela tem as responsabilidades de um cidadão frente à comunidade”.
As colocações de Chanlat (1999) estão próximas a definição dada por Lesly. O autor entende que uma empresa ou qualquer organização “ser socialmente responsável é avaliar os efeitos de suas ações sobre a comunidade próxima. É agir enquanto “cidadã”(aspas do autor) , isto é, no respeito às regras instituídas pela sociedade”. E prossegue:

É preocupar-se, além disso, com o nível de consequências deletérias de seus atos ou produtos que fabrica. É possuir uma preocupação aguda de coesão e da solidariedade social. É preocupar-se com todos os que tenham direito e não apenas os acionistas. Resumindo, a recusa em ganhar fazendo perder toda a sociedade. Em relação à preservação ambiental, é preocupar-se com os efeitos de suas atividades produtivas sobre o equilíbrio ecológico a fim de assegurar que se legará um planeta onde se possa viver para as futuras gerações.

O que se percebe é que o setor empresarial, busca formas de atuação que colaboram com o processo de consolidação da democracia e do desenvolvimento social, por meio de programas de voluntariado empresarial e ações de filantropia (estratégica), promovendo benefícios e melhoras junto à comunidade, com atividades centradas em aspectos sociais, sem fins lucrativos ou mesmo com interesse econômico, que geram bens e serviços de caráter público. Como explica FALCONER (1999):

Não se trata exclusivamente de filantropia, no sentido de caridade desinteressada, mas de enlightened self-interest, ou investimento estratégico: um comportamento de aparência altruísta, como a doação a uma organização sem fins lucrativos, que atende também a interesses (mesmo que indiretos) da empresa, com a contribuição à formação de uma imagem institucional positiva ou o fortalecimento de mercados consumidores futuros. Na defesa de seu próprio interesse de longo prazo, empresas adotam a prática de apoiar atividades como projetos de proteção ambiental, promoção social no campo da educação e saúde, dentre outros. O envolvimento de empresas se realiza tipicamente através de doações de recursos, da operação direta de programas, ou através de relações genericamente denominadas “parcerias” com organizações da sociedade civil.

Este tipo de “investimento estratégico” explicado por Falconer, bem como a prática da cidadania empresarial nos “moldes” descritos por SchoMmer (1999) e Melo Neto & Froes (1999), tem suscitado algumas discussões de cunho ético, sobre a validade do uso de tal repertório em prol dos interesses mercadológicos das empresas. A preocupação aqui é entender se a intenção da empresa que investe socialmente visa apenas desenvolver seu “marketing”, buscando obter apenas lucro, e camufla tais objetivos fazendo uso do terceiro setor.Ou está mesmo preocupado com as questões sociais, e tem como objetivo promover o bem social.
Em artigo recente da Revista Veja, o administrador Stephen Kanitz (2002) diz que “hoje a grande moda é premiar empresas socialmente responsáveis, não entidades que há muito vêm fazendo o bem sem alarde”. E critica:

Antigamente, marketing social era o que as entidades faziam para aparecer. Agora significa tornar empresas socialmente visíveis a todo custo. Doar anonimamente, como rezam todas as religiões, nem pensar. A filantropia por parte das empresas vem caindo ano a ano, porque muitas preferem montar o próprio instituto com o nome da marca da empresa. (...) Ao se decidirem por um projeto próprio, muitas companhias preferem não mais apoiar causas como a hanseníase, a prostituição infantil, o abuso sexual, a velhice, a cegueira, considerados “mercadologicamente incorretos”. Departamentos de marketing de empresas “socialmente responsáveis” acham melhor apoiar causas como educação, crianças ou ecologia. Criança é mais fotogênica que idoso ou leproso. Empresa não quer, nem pode, ter sua marca associada a um problema social “mercadologicamente incorreto”, e quem perde são os mais necessitados.


Há várias discussões sobre o papel das empresas na dinâmica social, onde algumas posições defendem que pagar impostos corretamente, cumprir a legislação, cuidar bem do seu negócio e gerar lucros é suficiente para o cumprimento de sua função social. E a propósito da afirmação de Dagnino (1994) sobre o sentido da expressão cidadania, cabe questionar se o seu uso, de fato, é apropriado no contexto empresarial, onde a igualdade não passa de um fetiche, onde as relações de poder são geralmente hierarquizadas e onde muitas vezes as ações sociais são interpretadas como dádivas.
Entende-se que, na perspectiva das organizações que visam lucro, ao adotarem o discurso da cidadania empresarial e responsabilidade social, a sociedade tem o direito de cobrar coerência em suas ações. E neste processo de informação e comunicação, é fundamental o trabalho de relações públicas.




Gestão e Comunicação

Baccega ( 2002) alertando sobre as várias possibilidades de abordagem dos estudos do campo da comunicação (grifo da autora), enfatiza que “para os estudos e a prática dos processos comunicacionais, nem só a emissão, nem só a recepção: o homem vive e se forma na práxis, da qual é parte integrante”, e é aí o campo de atuação do gestor de comunicação. Para a autora o comunicador deve ser “capaz de perceber a dinâmica da vida social, a gestação do novo manifestada no cotidiano, a diassincronia manifestada nas interações, as tecnologias como mediadoras privilegiadas pela condição que têm de ampliar, redimensionando, a própria vida social”. Entende que é imprescindível uma formação humanística que possibilite ao profissional “perceber a ação interativa das questões sociais; oferecer-lhe condições de alargamento da sensibilidade, sem a qual ele não conseguirá abandonar o automatismo das decisões prontas.
Se Baccega (2002) apresenta um perfil “ideal” de um gestor de processos comunicacionais, Chanlat (1999) vai mais além em suas reflexões, avaliando a relação atual entre as ciências sociais e gestão. Ambos chamam atenção para a necessidade de levar em conta as transformações sociais que ocorreram nas últimas décadas. Chanlat (1999) fundamentando-se nas ciências sociais, aponta como principais (1) a hegemonia do econômico; (2) o culto da empresa; (3) a influência crescente do pensamento empresarial sobre as pessoas. Baccega (2002) assinala as mudanças ocorridas nas áreas políticas e tecnológica, enfatizando a busca por uma “visão não compartimentada do saber, uma visão totalizadora dos problemas da sociedade, na qual a comunicação e cultura se entrelaçam, redimensionando-se o conceito e a prática da comunicação”. Neste contexto ela afirma que “o gestor de processos comunicacionais deverá dar conta do uso crítico das tecnologias, já presentes em cada uma das opções profissionais da área de comunicação social, de forma a saber planejar seu uso com a máxima eficácia, adequando –se aos objetivos do novo mundo que se constrói”.
O culto à empresa, que atingiu seu apogeu nos anos 80, teve duas conseqüências importantes, segundo Chanlat (1999): “a difusão massiva dos discursos e das práticas de gestão em setores mantidos até então fora da influência do “espírito gestionário” e o aumento considerável do número de estudantes em gestão em toda parte do mundo”. A conjugação desses dois fenômenos provocaram a emergência de uma sociedade qualificada por ele como ”managerical”, “no interior da qual o gestor ou “homo administrativus” (expressão de Richard Déry ), passou a ser uma das figuras dominantes.
Para Chanlat (1999) essa sociedade “managerical” tem múltiplas manifestações. Ficam evidenciadas no contexto lingüístico, por intermédio do uso constante das palavras “gestão, gerir e gestor” nas comunicações cotidianas. Do ponto de vista da organização, o autor menciona a invasão ocorrida nas escolas, universidades, hospitais, administração públicas, serviços sociais, museus, teatros, associações musicais e organizações sem fins lucrativos, das noções e princípios administrativos originários da empresa privada, tais como: eficácia, produtividade, “performance”, competência, empreendedorismo, qualidade total, cliente, produto, marketing, desempenho excelência, reengenharia etc. E por fim, do ponto de vista social, pode-se observar o quanto os empresários, os gestores, os executivos formam grupos de influência em nossos dias.
Para o autor, o gestor transformou-se em uma das figuras centrais da sociedade contemporânea, buscando racionalizar todas as esferas da vida social, além de afetar significativamente a esfera da vida privada.
A partir das considerações feitas por Baccega (2002) e Chanlat (1999), nossa questão aqui é procurar entender qual a real contribuição e que implicações um gestor de comunicação, com a formação em Relações Públicas, pode trazer para o terceiro setor.

O profissional de Relações Públicas atuando como gestor de processos comunicacionais

Parte-se da premissa, que, de fato, diante da necessidade que o terceiro setor tem de um gestor competente dos processos comunicacionais, a formação de relações públicas corrobora para que esse profissional possa exercer este papel, desde que acrescida de uma sólida formação humanística e a clara compreensão do papel do terceiro setor, seja dentro da iniciativa do setor privado atendendo o interesse público, o bem comum, ou diretamente vinculado às organizações comunitárias não-governamentais e não lucrativas.
Há um consenso por parte de vários autores que estão pesquisando sobre o assunto de que simplesmente transferir conhecimentos e técnicas aplicados no setor privado e na administração pública não é garantia de sucesso no terceiro setor. Na área da administração, Falconer (1999), expressa essa preocupação, questionando se o conhecimento aplicado na administração de empresas com finalidade de lucro e da administração pública se aplica igualmente ao terceiro setor: “Há um novo campo de conhecimento ou trata-se, apenas, de ensinar Administração a quem, reconhecidamente, entende pouco do assunto?”
Trazendo esta problemática para o campo da comunicação, mais especificamente para as relações públicas, constata-se que em vários textos, entre eles, (Peruzzo, 1999; Kunsch 2001; Henriques e Pinho Neto , 2001) apontam para a necessidade de novas formas de atuação por parte do profissional da área.
Peruzzo (1999) destaca as características de um trabalho comunitário e com comunidades, reforçando que dentro da perspectiva de responsabilidade social, a comunicação é algo de substancial importância (...), sendo decorrente de outros processos de ação, estratégias, produtos e atividades concretas e neles imbricada. Chama atenção para o redirecionamento metodológico a ser adotado pelas relações públicas, condicionado ao sentido da ação, onde já não há mais espaço para a lógica da ação unidirecional, autoritária e de cunho propagandístico.
Kunsch (2001) avalia que os pressupostos teóricos de relações públicas, “que têm como objeto de estudo as organizações, os públicos e a opinião pública, com ênfase nos aspectos institucionais e no gerenciamento da comunicação organizacional, são únicos e válidos para aplicação também no âmbito do terceiro setor”. Acentua ainda que “o mesmo se pode dizer das técnicas e dos instrumentos disponíveis, mudando apenas a forma, os recursos e a maneira de empregá-los.”
Mas a autora concorda que um trabalho de relações públicas no terceiro setor impõe novas exigências ao profissional, com posturas e ajustamentos específicos, de acordo com a natureza e as tipologias das organizações com a que está engajado.
Henriques & Pinho Neto (2001) confirmam a necessidade de uma renovação metodológica para a realização de diagnóstico e planejamento de comunicação em projetos de mobilização social, identificando a co-responsabilidade e participação dos atores sociais; a visibilidade e os fatores de identificação do projeto mobilizador; e a difusão de informações qualificadas de caráter pedagógico, como aspectos fundamentais na busca desta metodologia de ação no contexto do terceiro setor. Mas julgam “inconveniente e inadequada a mera transposição a este campo de conceitos e técnicas aplicados ao diagnóstico e ao planejamento da comunicação para empresas ou para administração pública”.
Embora os posicionamentos aqui citados possam divergir em alguns pontos, principalmente se o conhecimento já disponível na área de relações públicas, satisfaz ou não, às necessidades do terceiro setor, há um consenso sobre a importância do trabalho de comunicação para o seu desenvolvimento, bem como, o entendimento de que se trata de um campo a ser “explorado” pelo profissional de relações públicas. Sem dúvida, o instrumental de relações públicas tem muito a contribuir na gestão da responsabilidade social das empresas, bem como, na gestão dos processos comunicacionais das organizações que fazem parte do terceiro setor.
Entretanto, não obstante a necessidade do domínio da técnica e do conhecimento, o que deve permanecer como questão vital é a identificação do indivíduo (profissional) com o projeto do terceiro setor, onde a sociedade civil ocupa espaço essencial na luta pela construção da cidadania, a qual impõe um processo de transformação de práticas arraigadas na sociedade e que exigem um aprendizado social, de construção de novos tipos de relações sociais. O que está em jogo , segundo DAGNINO (2000), “ é o direito de participar na própria definição desse sistema, para definir de que queremos ser membros, isto é, a invenção de uma nova sociedade”. Trata-se da necessidade do que ela traduz como pertencimento.
Neste contexto, a definição de gestor de processos comunicacionais dada por SOARES e COSTA (2002) é bastante esclarecedora: “O Gestor de Processos Comunicacionais é o profissional mediador que atua em diversos campos da sociedade e do saber e que utiliza seus conhecimentos em Ciências da Comunicação para diagnosticar problemas e para desenvolver pesquisas e projetos de intervenção que visem à resolução ou superação dos problemas.” Obviamente essa gestão dos processos comunicacionais no terceiro setor não é de exclusividade de profissionais da área de relações públicas, mas não temos dúvida, que a sua formação, aliada à metodologia, cumpre bem esse papel. Daí o confronto e o compromisso.

Referências Bibliográficas

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BACCEGA, Maria Aparecida . O gestor e o campo da comunicação. In: Gestão de processos comunicacionais. Organizado por Maria Aparecida Baccega . São Paulo:Atlas, 2002. p. 15 – 27.
DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: Os anos 9: política e sociedade no Brasil. Organizado por Evelina Dagnino. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 103 – 115.
CHANLAT, Jean-François. Ciências sociais e management: reconciliando o econômico e o social. São Paulo: Atlas, 1999.
FALCONER. Andrés Pablo. A promessa do terceiro setor – um estudo sobre a construção do papel das organizações sem fins lucrativos e do seu campo de gestão. São Paulo,1999. 23f. Ensaio (Baseado na dissertação de mestrado em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo.
FERNANDES, Rubem César. Privado porém Público – o Terceiro Setor na América Latina. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
HENRIQUES, Márcio S. & PINHO NETO, Júlio A. Sá de. Comunicação e movimentos de
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KANITZ, Stephen. Minha amiga, a irmã Lina. Revista Veja. Ano 35, n. 16, p. 20.
KUNSCH, Margarida M. K. Relações Públicas no Terceiro Setor: um resgate, para uma prática
consciente. COMUNICARP – Edição extra do informativo interno do curso de Relações Públicas do IACT/PUC -Campinas. Out. 2001.
LESLY, Philip. Os fundamentos de relações públicas e da comunicação. São Paulo: Pioneira, 1995.
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PERUZZO, Cicília M. K. Relações Públicas com a comunidade: uma agenda para o século XXI. Comunicação e Sociedade, São Bernardo do Campo, nº 32, p. 45-67, 2º sem. de 1999.
SCHERER-WARREN, Ilse. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na era da globalização. São Paulo: Hucitec, 1999.
SCHOMMER, Paula Chies. Empresas e sociedade: cooperação organizacional num espaço público comum. Bahia, 1999. 13 p. Paper. NPGA/UFBA.
SOARES, I.de O. e COSTA, M. C. C. Planejando os Projetos de Comunicação. In: Gestão de processos comunicacionais. Organizado por Maria Aparecida Baccega . São Paulo:Atlas, 2002. p. 15 7– 179.






Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigada. O seu post é maravilhoso, muito bem embasado, rico em conceitos, e com uma linguagem extremamente fluida. Gostaria de ler um livro seu.