O direito surge como instrumento de controle social. A população ao iniciar sua vida em grupos necessitava de normas para conseguirem manter-se unidas. Assim, instituíram normas que passam a vigorar para todos os membros daquela sociedade. Elegeram um representante e esse detinha o poder de decidir qual era o direito mais justo para a situação. Independente do uso da força delegada como meio de repressão pela igreja, o direito se forma justo a partir da consciência individual. Ou seja, cada um sabe o que é certo e o que é errado. Ir contra essas normas significa ir contra o coletivo e é passiva de sanções. Algumas atitudes, pelo menos no âmbito ideológico denomina-se “desobediência civil”. Que nas palavras de Ost (p. 173):
Nas sociedades (mais ou menos) democráticas, é ao se apoiarem nesses princípios fundadores que os “desobedientes civis” entendem denunciar uma lei, um julgamento, uma polititca administrativa ou policial que, no seu modo de ver, deles se afasta; trata-se de “um ato público não violento”, explica J. Rawls, “decidido em consciência, mas político, contrario à lei e efetuado na maioria das vezes para levar a uma mudança na lei ou na política do governo”.
A Desobediência Civil é utilizada ao longo da história inúmeras vezes para justificar uma contrariedade a uma norma jurídica ou forma de governo por eles tida como injusta. Martin Luther King apud Ost, afirma que “Sustento que todo aquele que infringe uma lei porque sua consciência a considera injusta, e aceita voluntariamente uma pena de prisão a fim de despertar a consciência social contra essa injustiça, demonstram, em realidade um respeito superior pelo direito” (p. 176).
Um exemplo clássico de desobediência civil, utilizada na literatura jurídica é o caso de Antígona e Creonte. “Ao escrever essa peça, Sófocles forjava um alfabeto no qual se escrevia desde então, em todas as línguas e em todas as épocas, o conflito entre a consciência individual e a razão de Estado” (p. 178).
Em Antígona, a cena se passa em Tebas. Os dois irmãos morreram em combate mútuo - Eteócles, enterrado com todas as honras, e Polinices, visto como traidor da cidade, é deixado para ser devorado pelos pássaros, sem merecer as pompas fúnebres de um enterro digno. Antígona e Ismene estão cientes do decreto do tio Creonte, que ameaça punir com a morte aquele que desobecer seu decreto, enterrando Polinices. Mesmo assim, Antígona decide enterrá-lo, afrontando Creonte, que é pai de seu noivo Haemon. Flagrada colocando pó sobre o cadáver, prendem-a levam a Creonte, que se vê obrigado a sentenciar sua morte. O cego Tirésias antevê desgraças para Creonte se mantiver sua condenação de Antígona, pois essa desagrada aos deuses. Após alguma relutância, Creonte volta atrás, mas já é tarde demais. Antígona se enforcara, deixando Haemon, seu futuro marido em desespero. Responsabilizando o pai pelo suicídio de Antígona, Haemon tenta matá-lo. Como não consegue, mata-se em seguida. Eurídice, sua mãe e mulher de Creonte, ao saber dos acontecimentos, também se matam. Creonte lamenta sua triste sina.
Antígona é o modelo de resistência ao poder. Essa espécie de resistência é apresentada quando esgotadas todas as outras vias para que a injusta norma seja cessada. Na história que serve de exemplo os protagonistas agem de forma dualística em todo o decorrer das cenas. Há clara oposição entre o direito normativo posto (representado por Creonte) versus o direito subjetivo individual (ideal – representado por Antígona). Nota-se também que há a divisão clara em dois campos semânticos: o homem e a mulher. “ Toda ciência começa por uma recusa; com Antígona , compreende-se que toda a injustiça origina-se por uma denegação – a recusa da injustiça”.
A palavra de Antígona é philia – amor aos seus familiares. E esse amor faz com que vejam em seus familiares um duplo de si mesmo, um desdobramento e multiplicado. O gesto de Antígona tem sua fonte nessa região tenebrosa da fratria original, espaço quase anterior à linguagem dos penares – domínio certamente a-histórico, e pré-político. Com efeito, a philia designa uma humanidade anterior e exterior às experiências separadoras da exogamia e da polis: a racionalidade desse genos é tautológica, suas leis são incondicionais.
O amor nesse episódio é o senso de justiça que circunda a protagonista. Essa justiça é contraria ao direito em vigor, o direito de Creonte. Antígona tem têm a função de estabelecer a justiça dentro da polis e, para isso, têm de infringir as leis estabelecidas pelo rei, trata-se de um dever sagrado dar sepultura aos mortos, infringe a ordem do soberano e realiza os rituais fúnebres a que o irmão tem direito.
A dicotomia entre direito posto e direito ideal é representado por Antígona e Creonte no decorrer da história: Dois mundos se enfrentam, cujos parceiros, por não se reconhecerem mutuamente, nem sequer parcialmente, só podem se excluir até a condenação recíproca e a morte. O confronto de Antígona e de Creonte cristalizava as oposições antropológicas mais fundamentais: as clivagens jovem/velho, homem/mulher, individuo/sociedade, morto vivo, deuses/homens. Tudo opõe esses protagonistas, cada um falando e agindo apenas em nome da metade do mundo que representam (p. 199).
O direito ideal é aquele invocado por Antígona no momento em que se opõe a Creonte. Por sua rebelião, o desobediente civil invoca, de fato, os princípios fundadores da cidade, demonstrando assim uma paradoxal desobediência à lei dentro do quadro da lei.
Desobediência civil possui várias características importantes: é uma transgressão de uma regra de direito positivo; ao contrario da desobediência criminal, a desobediência civil se inscreve no espaço público, no duplo sentido de traduzir-se em atos públicos e de apelar à consciência pública; a desobediência civil procede na maioria das vezes das resoluções de um grupo e de uma minoria atuante; também, é essencialmente pacífica, não apelando a violência, armas, e sim a consciência adormecida da maioria; o desobediente assume o risco das sanções; seu objetivo é a revogação da norma contestada. E a ultima característica da desobediência civil é a apelação a normas superiores, que são como o espírito das leis supostamente comungado pelos membros de uma comunidade política.
Concluindo, a consciência é um elemento importante na formação do direito. Visto que ela conduz os cidadãos a normatização social de forma mais justa. Um cidadão que imagina estar sendo injustiçado acaba por manifestar suas idéias. Da mesma forma, acontece com Antígona que ao ver seu irmão ao céu aberto para que seja devorado pelos pássaros, recorre de todas as formas possíveis para que se revogue a norma dada por Creonte. Não obtendo nenhum sucesso nas suas petições, ela decide invocar normas superiores aos humanos.
Mas o que deve se ressaltar nesse episódio, não é o fato de estar diante de normas superiores. Mas sim, o fato de uma mulher se levantar contra uma autoridade, e no caso Creonte era a maior autoridade existente naquela época no seu território, para que se enterre seu irmão. A simples oposição de Antígona e sua insatisfação ante Creonte, o caracteriza como Desobediência Civil.
O que leva uma pessoa a ser desobediente civil, é o fato de existir em sua consciência a noção de justiça e de superioridade de leis divinas sobre as normas sociais. Direito positivo nesse caso é confrontado com um direito superior e anterior, fundador de todas as normas: o direito ideal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OST, François. Contar a lei – As fontes do imaginário jurídico. Trad. Paulo Neves. Ed. Unisinos. s/d.
Nas sociedades (mais ou menos) democráticas, é ao se apoiarem nesses princípios fundadores que os “desobedientes civis” entendem denunciar uma lei, um julgamento, uma polititca administrativa ou policial que, no seu modo de ver, deles se afasta; trata-se de “um ato público não violento”, explica J. Rawls, “decidido em consciência, mas político, contrario à lei e efetuado na maioria das vezes para levar a uma mudança na lei ou na política do governo”.
A Desobediência Civil é utilizada ao longo da história inúmeras vezes para justificar uma contrariedade a uma norma jurídica ou forma de governo por eles tida como injusta. Martin Luther King apud Ost, afirma que “Sustento que todo aquele que infringe uma lei porque sua consciência a considera injusta, e aceita voluntariamente uma pena de prisão a fim de despertar a consciência social contra essa injustiça, demonstram, em realidade um respeito superior pelo direito” (p. 176).
Um exemplo clássico de desobediência civil, utilizada na literatura jurídica é o caso de Antígona e Creonte. “Ao escrever essa peça, Sófocles forjava um alfabeto no qual se escrevia desde então, em todas as línguas e em todas as épocas, o conflito entre a consciência individual e a razão de Estado” (p. 178).
Em Antígona, a cena se passa em Tebas. Os dois irmãos morreram em combate mútuo - Eteócles, enterrado com todas as honras, e Polinices, visto como traidor da cidade, é deixado para ser devorado pelos pássaros, sem merecer as pompas fúnebres de um enterro digno. Antígona e Ismene estão cientes do decreto do tio Creonte, que ameaça punir com a morte aquele que desobecer seu decreto, enterrando Polinices. Mesmo assim, Antígona decide enterrá-lo, afrontando Creonte, que é pai de seu noivo Haemon. Flagrada colocando pó sobre o cadáver, prendem-a levam a Creonte, que se vê obrigado a sentenciar sua morte. O cego Tirésias antevê desgraças para Creonte se mantiver sua condenação de Antígona, pois essa desagrada aos deuses. Após alguma relutância, Creonte volta atrás, mas já é tarde demais. Antígona se enforcara, deixando Haemon, seu futuro marido em desespero. Responsabilizando o pai pelo suicídio de Antígona, Haemon tenta matá-lo. Como não consegue, mata-se em seguida. Eurídice, sua mãe e mulher de Creonte, ao saber dos acontecimentos, também se matam. Creonte lamenta sua triste sina.
Antígona é o modelo de resistência ao poder. Essa espécie de resistência é apresentada quando esgotadas todas as outras vias para que a injusta norma seja cessada. Na história que serve de exemplo os protagonistas agem de forma dualística em todo o decorrer das cenas. Há clara oposição entre o direito normativo posto (representado por Creonte) versus o direito subjetivo individual (ideal – representado por Antígona). Nota-se também que há a divisão clara em dois campos semânticos: o homem e a mulher. “ Toda ciência começa por uma recusa; com Antígona , compreende-se que toda a injustiça origina-se por uma denegação – a recusa da injustiça”.
A palavra de Antígona é philia – amor aos seus familiares. E esse amor faz com que vejam em seus familiares um duplo de si mesmo, um desdobramento e multiplicado. O gesto de Antígona tem sua fonte nessa região tenebrosa da fratria original, espaço quase anterior à linguagem dos penares – domínio certamente a-histórico, e pré-político. Com efeito, a philia designa uma humanidade anterior e exterior às experiências separadoras da exogamia e da polis: a racionalidade desse genos é tautológica, suas leis são incondicionais.
O amor nesse episódio é o senso de justiça que circunda a protagonista. Essa justiça é contraria ao direito em vigor, o direito de Creonte. Antígona tem têm a função de estabelecer a justiça dentro da polis e, para isso, têm de infringir as leis estabelecidas pelo rei, trata-se de um dever sagrado dar sepultura aos mortos, infringe a ordem do soberano e realiza os rituais fúnebres a que o irmão tem direito.
A dicotomia entre direito posto e direito ideal é representado por Antígona e Creonte no decorrer da história: Dois mundos se enfrentam, cujos parceiros, por não se reconhecerem mutuamente, nem sequer parcialmente, só podem se excluir até a condenação recíproca e a morte. O confronto de Antígona e de Creonte cristalizava as oposições antropológicas mais fundamentais: as clivagens jovem/velho, homem/mulher, individuo/sociedade, morto vivo, deuses/homens. Tudo opõe esses protagonistas, cada um falando e agindo apenas em nome da metade do mundo que representam (p. 199).
O direito ideal é aquele invocado por Antígona no momento em que se opõe a Creonte. Por sua rebelião, o desobediente civil invoca, de fato, os princípios fundadores da cidade, demonstrando assim uma paradoxal desobediência à lei dentro do quadro da lei.
Desobediência civil possui várias características importantes: é uma transgressão de uma regra de direito positivo; ao contrario da desobediência criminal, a desobediência civil se inscreve no espaço público, no duplo sentido de traduzir-se em atos públicos e de apelar à consciência pública; a desobediência civil procede na maioria das vezes das resoluções de um grupo e de uma minoria atuante; também, é essencialmente pacífica, não apelando a violência, armas, e sim a consciência adormecida da maioria; o desobediente assume o risco das sanções; seu objetivo é a revogação da norma contestada. E a ultima característica da desobediência civil é a apelação a normas superiores, que são como o espírito das leis supostamente comungado pelos membros de uma comunidade política.
Concluindo, a consciência é um elemento importante na formação do direito. Visto que ela conduz os cidadãos a normatização social de forma mais justa. Um cidadão que imagina estar sendo injustiçado acaba por manifestar suas idéias. Da mesma forma, acontece com Antígona que ao ver seu irmão ao céu aberto para que seja devorado pelos pássaros, recorre de todas as formas possíveis para que se revogue a norma dada por Creonte. Não obtendo nenhum sucesso nas suas petições, ela decide invocar normas superiores aos humanos.
Mas o que deve se ressaltar nesse episódio, não é o fato de estar diante de normas superiores. Mas sim, o fato de uma mulher se levantar contra uma autoridade, e no caso Creonte era a maior autoridade existente naquela época no seu território, para que se enterre seu irmão. A simples oposição de Antígona e sua insatisfação ante Creonte, o caracteriza como Desobediência Civil.
O que leva uma pessoa a ser desobediente civil, é o fato de existir em sua consciência a noção de justiça e de superioridade de leis divinas sobre as normas sociais. Direito positivo nesse caso é confrontado com um direito superior e anterior, fundador de todas as normas: o direito ideal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OST, François. Contar a lei – As fontes do imaginário jurídico. Trad. Paulo Neves. Ed. Unisinos. s/d.
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