André Gilberto Boelter Ribeiro


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segunda-feira, 16 de abril de 2007

A CONTRIBUIÇÃO DAS MULHERES GAÚCHAS NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL EM "ANA TERRA" DE ERICO VERISSIMO

A CONTRIBUIÇÃO DAS MULHERES GAÚCHAS NA CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA
DO RIO GRANDE DO SUL EM “ANA TERRA” DE ÉRICO VERÍSSIMO


O aparecimento de Érico Veríssimo no cenário literário brasileiro, faz com que o sul do país ingressasse em campo novo de romance. Com seus romances ele recria de maneira ímpar a história de uma família, é a trajetória da formação de um povo, e que pode estar numa cidade ou numa gente (COUTINHO, 2001). A obra em análise pode revelar algumas qualidades e defeitos dos homens do sul, todavia se constitui em um valioso instrumento para a reconstituição através da ficção da história do Rio Grande do Sul. Através das minúcias retratadas na obra, permite que o leitor se aposse da totalidade representativa ficcional.
“O Continente” representa a segura tomada de consciência e acaba sendo a narrativa da permanência de um espírito que cria raízes e supera vidas individuais. Através de seus tipos, sente-se o avançar da consciência da terra, com os mesmos dramas e a mesma sensação de inutilidade das coisas aliadas a grandes de existir e agir.
A trajetória feminina na história mundial sempre foi uma história de exclusões, onde elas tinha apenas o papel de donas de casa e reprodutoras. Tanto, que lhes eram renegados vários direitos, até mesmo pelo próprio marido. A mulher sempre viveu a sombra de uma figura masculina, tendo que suprimir sua identidade e seus desejos. Na história contada por Érico Veríssimo da sociedade gaúcha (dita machista), a mulher. No entanto, está presente em vários instantes. Muitas vezes apresenta atitudes ativas, que viabilizam a transformação do meio, onde elas se encontram. O texto a ser tomado como objeto de análise é um extrato de “O Continente 2”, onde será trabalhada a personagem Ana Terra.
Diante das ações realizadas pela personagem na obra em análise, é possível afirmar que houve contribuição das mulheres gaúchas na construção da história do Rio Grande do Sul na obra “O Continente” de Érico Veríssimo?
Érico Veríssimo era conhecido na Europa, no Continente Africano, em toda a América Latina e, principalmente, no mundo de língua inglesa. Pesquisas feitas na Angola e Moçambique demonstram que ele é o escritor mais lido naquelas partes da África. Coutinho (2001) elucida o exemplo de Alexandre Dumas, autor de “ A dama das Camélias”, que suas obras reconhecidas após um século.
Érico Veríssimo deixa claro em O continente I e II, que a mulher contribui fortemente para construção da história do Rio Grande do Sul. Uma leitura atenta de seu texto, permite verificar que a mulher não contribuiu somente como parteira como querem alguns historiadores, ou como auxiliares de médico em campos de batalha. Para isso, serve como base uma das personagens da obra: Ana Terra. Que conforme o site clicrbs, em homenagem co centenário de Érico Veríssimo retrata Ana Terra:
Ana Terra é a matriarca da família Terra Cambará. Filha de imigrantes portugueses que chegam ao Rio Grande do Sul no século 18, Ana e sua família passam por todas as dificuldades de morar em uma região esquecida pelas autoridades e permeada de disputas por terras e fronteiras
Sua personalidade forte, de garra, obstinação e resistência frente a todas as perdas e violências que sofre fazem de Ana Terra um símbolo da mulher gaúcha. Traços da personalidade de Ana e sua crença na vida serão encontradas nas mulheres das gerações futuras da família Terra Cambará, principalmente de sua neta Bibiana. O erotismo da jovem é também é destacado, pois esta desperta em meio a solidão da fazenda onde Ana mora com a família e culmina com a sua entrega a Pedro Missioneiro.
Além disso, ela é quem estabelece a relação entre o vento e os acontecimentos importantes de sua vida que serão uma espécie de ligação entre o vento e a memória feminina em toda a obra do autor, como um consolo e arma de defesa de mulheres que assistem os homens lutarem e morrerem em suas guerras (CLICRBS, 2006).
O autor reconstituiu artisticamente a história riograndense desde os séculos XVIII até a reestruturação da República no Rio Grande do Sul, “naquele estado de espírito que tanto provocou as revoluções dos anos 20 no sul como o movimento de 30 e fim em 1964”.
O enredo de Ana Terra é o seguinte: Ana Terra era um dos quatro filhos de Maneco Terra e D. Henriqueta. Nascera em Sorocaba e viera com a família para a vasta solidão dos campos e coxilhas do Rio Grande de São Pedro (Rio Grande do Sul). O pai lhes fizera, algumas vezes, uma inútil promessa de voltarem para S. Paulo. Em 1977, era uma moça de 25 anos que ainda esperava o amor e o casamento. Era “de olhos e cabelos pretos, rosto muito claro, lábios cheios e vermelhos”. Vivia com o pai, e mãe e dois irmãos, no descampado, sob os temores de invasões dos índios ou dos castelhanos. Levavam vida muito primitiva e pobre. O rancho que habitavam não podia ser mais primitivo. O velho Terra, como os filhos, era analfabeto, homem taciturno e de poucas palavras. O mobiliário do rancho, escasso e rústico. Naquele ermo aquele gente nada fazia mais que trabalhar de sol a sol, comer, dormir,, esperar.
Um dia era quase sempre a repetição do anterior. A família estava ilhada naquele verde de horizontes sem fim. Não tinham calendário, nem relógio, nem vizinhos próximos. Havia uma ligação forte com o vento, pois “ - Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando”, costumava dizer Ana Terra. Passam-se anos. E foi num dia assim que ela conheceu um índio, criado numa redução jesuítica, Pedro Missioneiro. Ela o encontrou feiro perto da sanga e o pai e irmãos o recolheram e o trataram no rancho. Apesar de certa má vontade do pai e irmãos, o índio foi ficando e se incorporando ao primitivo clã. Aí vivia, trabalhava, tocava flauta e contava estórias muito lendárias, numa língua misturada de português e espanhol.
Dos amores de Ana Terra e Pedro Missioneiro, vai nascer, mais tarde, um filho que repetirá as feições e o nome do pai e a teimosia e o silêncio do avô Maneco Terra. (Pedro Missioneiro aparece e desaparece rodeado de algum mistério e se projeta como um mito. Possui certos poderes mágicos que o tornam meio sobrenatural. Para cumprir o código de honra do clã e por ordem do chefe Maneco Terra, Antônio e Horácio, irmãos de Ana, matam e enterram, longe do rancho, o índio Pedro Missioneiro. Bem longe da estância para não infringirem o dever sagrado da hospitalidade. Tudo questão de honra familiar. O filho de Ana Terra e Pedro Missioneiro nasceu em 1789.
A vida continua amarga e se torna trágica, quando um bando de castelhanos invade os ranchos dos Terras, mata o pai e o irmão de Ana Terra e os dois escravos, violentando Ana Terra e desaparece, destruindo tudo e levando o que quiseram. D. Henriqueta já tinha morrido. Ainda escaparam da chacina Eulália, mulher de Pedro, Rosinha, sua filha e Pedro, filho de Ana Terra, que por ordem dessa, se tinham escondido no mato.
Quando as carretas de Marciano Bezerra passam por ali, em demanda das sesmarias do Coronel Ricardo Amaral, as duas mulheres e as duas crianças seguem com eles. Ana Terra segue para o rincão longínquo de Santa Fé: é a fuga da sua solidão, de sua família, eliminada, do crime dos irmãos que mataram Pedro Missioneiro, da insegurança e da violência que tomaram conta de sua terra. É a fuga ao passado.
Depois de longa viagem e sofrimento, chegam ao final do caminho e fincam raízes na terra. Eulália se une a um viúvo e cria a filha Rosa. Ana Terra cria Pedro. Estão lançando os alicerces de Santa Fé. Passa o tempo e o vento. Pedro, já moço, volta de uma guerra sob as ordens do Coronel e se casa com Arminda Mello: do casamento nascerá um casal de filhos, Juvenal (1804) e Bibiana (1806) que se casarão com Maruca Lopes e com Rodrigo Cambará.
O Coronel Ricardo Amaral morreu na Guerra. Agora, nova guerra para a conquista da Banda Oriental (1811). E lá se foi novamente, para a guerra, Pedro Terra, agora, sob as ordens do Major Francisco Amaral. Pedro sabia bem o que era uma guerra. Ia sem nenhuma ilusão. Despedindo-se da mãe, lhe diz: “Mãe, tome conta de tudo...” - Tem pressentimentos de que não voltará. E Ana Terra fica escutando o vento. “Estava de tal maneira habituada ao vento que até parecia entender o que ele dizia...” Nas noites de ventania, ela pensava nos seus mortos. Muitos anos depois, sua Bibiana, já mulher feita, ouvia a avó dizer, quando ventava: “Noite de vento, noite dos mortos”.
Cabe então situar a mulher gaúcha representada na obra de Érico Veríssimo como agente ativo das mudanças sócias, concorrendo como o universo masculino, talvez não entranhado nas guerras, trincheiras ou campo de batalha, mas na sustentação e na caracterização econômico-cultural de um povo, uma região.
A mulher no decorrer dos anos passa ser vista como desempenhadora de atividades matrimoniais e maternas (COUTINHO, 1972), os direitos iguais aos homens lhes são renegado, cabendo-lhes apenas atuar no restrito espaço fechado do lar, sendo tarefa masculina o trabalho “árduo” de problemas jurídico-político. (DEL PRIORI, 1995).Todavia , é preciso sair do campo legal e político, espaço de reprodução de desigualdades, produtos de injustiças e manifestamente ideológico. Para verificar a influência das mulheres no plano prático, onde muitas heroínas são reveladas pela prática, e pela habilidade em resolver problemas do cotidiano.
Érico Veríssimo, apaixonado pelas mulheres, “se faz Deus”, e dá vida a mulheres corajosas, enfatizando a real posição e atuação da mulher. (CHAVES, 1972) o cotidiano social, freqüentemente marcado por conflitos, sempre se recompõe na capacidade amorosa das personagens femininas. Sendo através das mulheres, normalmente superiores aos homens que se estabelece o sustentáculo do mundo que ameaça a ruir.
Em Ana Terra afloram muitos problemas sociais que podem ser exemplificados. O regime do rancho, da estância é o paternalista: o pai, o marido tem a primeira e última palavra. E não se discute. Impõe sua vontade, a começar da partida de S. Paulo para a solidão do Sul. Todos, mulher, filha e filhos se submetem à “onipotência” do chefe.
A imagem da mulher em toda a história é permeada por preconceitos e subordinações. Elas sempre são vistas pela ótica da fragilidade e da capacidade das tarefas domésticas. Esta sempre a margem das decisões social, factualmente legalizada, só conduz a o agravo de sua posição tanto no seio familiar como na sociedade.
O que se verifica nos documentos históricos é a total passividade feminina ante aos conflitos inerentes à questão de sua posição e atuação social. Estas religadas a submissividade, aos deveres matrimonias e a ausência legal equiparativa aos homens determinou por muitos séculos a sua anulação enquanto ser e contribuinte social potencialmente capaz.
O que se busca não é comprovar que a mulher é igual ao homem em todos os aspectos, mas sim que sua contribuição na construção do contexto Sul Riograndense não deve ser desprezado.
Pelo fato de Érico Veríssimo, entrelaçar seus personagens com fatos históricos reais, sua obra realça a proximidade com a verossimilhança. Nada mais natural para um escritor que possui grande qualificação literária. No que se refere a obra, pode-se perceber que as figuras femininas são diversas daquelas que se submetiam a vontade patriarcal, porém como ressalta se assemelham aos homens, com vestimentas rudimentares e mal feitas, com assuntos próprio da ala masculina.” Quanto mais tempo passava o marido e os filhos iam ficando como bichos naquela lida braba” VERÍSSIMO, 2001).
A função “guerreira” do homem só foi bem sucedida, porque havia um suporte feminino implícito e organizacional, que lhes permitiam permanecer afastados das lidas por vários dias ou meses, apesar da decadência ocorrida pela falta de braços (mão-de-obra). (PESAVENTO, 1991). Geralmente as mulheres estão mais a frente das lidas, sendo menos acanhadas, conversam um pouco mais (ZILBERMAN, 1985).Isso demonstra que tanto o homem e a mulher são agentes ativos transformadores da sociedade, mesmo que essas ações sejam focalizadas e tenham ênfases diferentes.
Na conquista das terras sul Riograndense, uma das personagens exemplares, Ana Terra passa a ser o arquétipo da mulher que toma “as rédias” do seu destino para caminhar pela árdua sociedade machista. A morte vai definir a sorte e a libertação de Ana Terra do julgo paterno ou masculino. Exterminada a sua família, ela acha um novo caminho e parte. Vai com ela seu filho Pedro. De Ana Terra sairá também um sobrenome para a família que vai nascer. Naqueles tempos e naquelas terras se vive sob o signo da insegurança, principalmente pelas escaramuças castelhanas, nas guerras de rapinagens, de dinheiro e de sexo. Vive-se sob o signo do medo.
As mulheres vivem a dualidade com o masculino. Ana Terra, como outras mulheres, são a fixação e a conservação do clã; os homens, a conquista e a passagem: Homens: conquista; Mulheres: conservação. O que predomina no ciclo de formação dos Terra-Cambará é a linha materna. As mulheres impõem sua permanência e seu nome.
A ligação entre a literatura e a história está presente constantemente na obra “O continente” e no fragmento de “Ana Terra”. O autor entrelaça fatos que ocorreram realmente com os personagens de seu imaginário, transformando em arte. (ZILBERMAN, 1985).
Em toda a obra, a história aparece interdita. Entremeada com situações ficcionais, tão verossímeis como o real. Ela é apenas o suporte, a base para a criação do artista. Manifesta-se como metáfora de uma outra história não conhecida. Num esquema geral da obra, o autor pretende destacar o progresso, a moral e os costumes, a economia, a sociedade, a história e a cultura, as guerras cada vez mais recorrentes, o luto e a vida áspera do campo. A história foi adaptada de suas leituras de L’Illustration, nos números dos anos 1909 a 1910 do Rio Grande do Sul, suplementada pelos artigos do Correio do Povo, quanto a datas e eventos históricos da virada do século (CLICRBS, 2006).
A mulher pouco a pouco vai se inserindo a sociedade, invadindo posições antes exclusivas do homem, exemplo disso é a transformação da personagem Ana Terra: A mulher trabalha nos afazeres domésticos, isto é, dentro do lar e na roça de quintal. Eram elas que tomaram conta dessas tarefas, (COUTINHO, 1994). Ela era totalmente passiva as ordens dos maridos. Retomando a personagem de Ana Terra, ela sofre uma transformação, acontece após a morte de sua mãe, e a coloca no mesmo plano que os homens. O que se concretiza com a morte de Maneco e Antônio e seu estupro. Onde ao partir com o filho para Santa Fé, antes de buscar paz, ela busca posicionar-se enquanto mulher, busca ser reconhecida como cidadã.
Portanto, a personagem Ana Terra, comprova que por mais servil que seja a mulher ou audaciosa, elas sempre contribuíram para que a família estivesse bem, sendo a família um espelho do social, elas sempre tiveram o seu quinhão na construção da história Sulriograndense, principalmente na literatura de Érico Veríssimo, que sempre se declarou um admirador das mulheres.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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CLICRBS. Ana Terra (O Tempo e o Vento - O Continente). Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/especiais/jsp/default.jsp?espid=6&uf=1&local=1&newsID=a
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