A violência contra a mulher pode ser de diversas formas e severidade. Elas não acontecem geralmente de forma isolada, mas em seqüências. Seja ela física, sexual, psicológica, econômica ou financeira, elas produzem enormes prejuízos à vítima.
Violência é a “ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato violento, crueldade, força”. Também pode ser o “constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”.
A violência física pode ser manifestada através de tapas, empurrões, socos, mordidas chutes, queimaduras, cortes, estrangulamento, lesões por arma ou objeto, obrigado a tomar medicamento desnecessário ou inadequado, álcool, drogas ou outras substâncias, inclusive alimentos, tirar de casa à força, amarrar, arrastar, arrancar a roupa, abandonar em lugares desconhecidos, danos a integridade corporal decorrentes de negligência,
Já na violência sexual é quando um homem em relação de poder ou força física obriga uma mulher ao ato sexual contra sua vontade, ou que a exponha em interações sexuais que propiciem sua vitimação, da qual o agressor tenta obter gratificação.
A violência sexual não inclui apenas o estupro. Conforme panfleto do Ministério da Saúde são espécies de violência sexual as carícias não desejadas, penetração oral, anal ou genital, com pênis ou objetos de forma forçada, exposição obrigatória a material pornográfico, exibicionismo e masturbação forçados, uso de linguagem erotizada, em situação inadequada, impedimento ao uso de qualquer método contraceptivo ou negação por parte do parceiro em utilizar preservativo, ser forçado a ter relações com terceiros.
Ocorre na violência sexual o abuso por parte de um membro da família, seja pai, irmão, filho, etc, o qual se denomina abuso incestuoso. Da mesma forma constitui sexo forçado aquele dentro do matrimônio, já que a violência sexual na vida conjugal resulta na violação da integridade física e psíquica e ao direito ao próprio corpo.
Entendemos que o marido pode ser sujeito ativo do crime de estupro contra a própria esposa. Embora com o casamento surja o direito de manter relacionamento sexual, tal direito não autoriza o marido a forçar a mulher ao ato sexual, empregando contra ela a violência física ou moral que caracteriza o estupro. Não fica a mulher, com o casamento, sujeita aos caprichos do marido em matéria sexual, obrigada a manter relações sexuais quando e onde este quiser. Não perde o direito de dispor de seu corpo, ou seja, o direito de se negar ao ato sexual (...). Assim, sempre que a mulher não consentir na conjunção carnal e o marido a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa. (JESUS apud MARTINS, 2004).
A violência psicológica causa dano à auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa, como insultos constantes, humilhação, desvalorização, chantagem, isolamento de amigos e familiares, ridicularização, rechaço, manipulação afetiva, exploração afetiva, exploração, negligencia ameaças, privação de liberdade arbitrária, confinamento doméstico, criticas pelo desempenho sexual, omissão de carinho, negar atenção e supervisão. Gonçalves trata como violência invisível:
A violência invisível não deixa marcas físicas, mas fere profundamente a alma. Acontece em diferentes situações e muitas vezes não a percebemos como tal porque passa a fazer parte do nosso cotidiano, sem questionamentos de nossa parte.
A violência invisível tem múltiplas formas de manifestação. Nas relações interpessoais aparece em papéis como os de marido-mulher, pai-filho, mãe-filho, patrão-empregado, professor-aluno etc.
Uma das formas de violência invisível aparece na comunicação verbal e na não-verbal. São mensagens desqualificantes que, à medida que são repetidas, vão pouco a pouco penetrando no psiquismo de quem as recebe, causando uma confusão mental, que se manifesta, num primeiro momento, sob sentimentos de dúvida sobre suas reais potencialidades e capacidades. Com a continuidade, aparecem sentimentos de menos-valia que podem levar a um quadro depressivo. (GONÇALVES, 2007).
A violência econômica ou financeira afeta a sobrevivência da família. O roubo, a destruição de bens pessoais ou de bens da sociedade conjugal, a recusa de pagar a pensão alimentícia ou o uso de recursos econômicos de pessoa idosa, tutelada ou incapaz, destituindo-a de gerir seus próprios recursos e deixando-a sem provimento e cuidados.
Ainda encontra-se a violência religiosa. Segundo Pª Elisabeth Lieven e P. Guilherme Lieven afirmam que isso ocorre quando seconsidera a mulher como inferior e justifica-se isso usando a Bíblia ou tradição religiosa, culpando as mulheres pelo mal e pela morte ou a causa do pecado, usando cerimônias matrimoniais para afirmar a supremacia masculina e a submissão das mulheres, não permitindo às mulheres à participação plena e ativa da vida religiosa e desqualificá-las em sua atuação religiosa e vivência de fé, fazendo uso de textos bíblicos específicos para desqualificar ou impedir a participação religiosa plena, negando às mulheres a potencialidade e participação no discipulado de Jesus, ou o de linguagem discriminatória, em que as mulheres não estão incluídas, estabelecendo normas ético-morais que limitam a vida das mulheres, estabelecendo critérios de conduta diferenciados para homens e mulheres, E ser induzida a silenciar sobre a situação de violência e não receber acompanhamento pastoral adequada em situações de violência. (LIEVEN, 2007).
A presença da mulher na sociedade nunca teve tanta representatividade como nos dias atuais, como sua luta pelo parceiro ideal, sua realização profissional e sua reivindicação por direitos. O corpo que hoje simboliza, ao mesmo tempo, erotismo e sexualidade era tido com outros olhos. O próprio vocábulo que designa trabalho, tomou significado diferente atualmente e representa não somente sustento e dignidade, mas incide profundamente na economia interna brasileira e na própria visão que a mulher tem de si mesma. Todas essas questões são determinadas, ou pelo menos influenciadas pela questão de gênero.
A visibilidade das diferenças anatômicas entre macho e fêmea, não podem, nem devem ser encaradas como mero aspecto sem influência nas relações sociais. A diferenciação biológica entre corpo da mulher e do homem é utilizada como demarcação, a fim de situar, como sofredor, o corpo da mulher, e reservando o gozo ao corpo do homem. Essa dicotomia injusta é uma das conseqüências do uso das características biológicas utilizadas para impor a desigualdade como inferioridade. Cardoso explica que:
Portanto, a condição de mulher começa a ser delineada a partir de uma realidade concreta que é seu próprio corpo da mulher a sede da contradição básica de sua condição. A natureza colocou nesse corpo a função biológica de reprodução, que se refere à ação própria do corpo da mulher, enquanto organismo com capacidade reprodutora do ser humano. Tal fato colocaria a mulher numa situação de grande poder, mas uma vez que a referida função está a serviço da humanidade, esta apropria-se desse poder, atribuindo à mulher a posição de subordinada. Assim, o corpo da mulher assume, também, uma função social, que é o uso da função biológica com o objetivo de manutenção da espécie. (CARDOSO, 1994, p. 13).
A exclusão social da mulher é secular e diferenciada. A compreensão sobre a condição dual do sexo possibilita indicações dos parâmetros da exclusão social fundamentada na diferença. É sabido que o fenômeno da exclusão não é característico da mulher, mas atinge os diferentes segmentos da sociedade. É também inegável que a exclusão não é provocada unicamente pelo setor econômico, embora se admita que este é um dos principais pilares de sustentação desse fenômeno. A exclusão é gerada nos meandros do econômico, do político e do social, tendo desdobramentos específicos nos campos da cultura, da educação, do trabalho, das políticas sociais, da etnia, da identidade e de vários outros setores. (FICHER, 2001, s/p).
Em muitos casos as agressões contra a mulher partem da própria família, dentro de seu próprio lar. É preciso que haja o fim da hierarquia familiar tradicional para que aconteça uma diminuição da violência contra a mulher. Até porque a mulher é colocada numa posição inferior ao homem sendo que acaba sendo vítima de violência física. A violência é um problema social de grande dimensão que afeta toda a sociedade, atingindo especialmente a mulher.
Para Dias (2002, p. 04) cabe indagar quem é responsável por esta triste realidade. Ao certo, que a violência física, sexual e emocional sofrida pelas mulheres não é responsabilidade exclusiva de seus agressores. O fundamento é cultural e decorre da desigualdade de poder, havendo uma verdadeira relação de dominante e dominado. Até agora sempre o poder esteve em mãos masculinas. As leis são elaboradas por homens e a justiça é, na grande maioria dos casos, aplicada por juízes.
Segundo Serra apud Ministério da Saúde:
As mulheres vêm conquistando nas ultimas décadas direitos sociais, que a historia e a cultura reservou aos homens durante séculos. No entanto, ainda permanecem relações significativamente desiguais entre ambos os sexos. Essa situação dá origem a sérios problemas, sendo o mais grave a violência contra a mulher. (1999, p. 5).
Tem-se como violência doméstica contra a mulher, toda aquela em que o sujeito passivo for do sexo feminino, independente da idade ou situação social e o sujeito ativo for um ente de sua família ou que habite no mesmo domicílio que a vítima. As Nações Unidas definem violência contra a mulher como “ qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou privada".
A violência doméstica contra a mulher pode ser física, moral e psíquica. Essa violência atinge mulheres no mundo todo. E algumas vezes o resultado pode inclusive ser fatal. Uma mulher que convive com parceiro violento não tem como se prevenir de doenças sexualmente transmissíveis como também de possível gravidez.
A violência pode ser tratada como um problema de saúde pública e social. As mulheres atingidas em espaços públicos são geralmente vítimas de homicídio, enquanto que no espaço privado são vítimas de estupro. E poucas dessas chegam a delegacia para denunciar seus agressores. E para o seu enfrentamento exige-se a organização da sociedade como um todo, aliada aos entes estatais.
Cardoso diz que a mulher se encontra na condição de classe marginalizada e oprimida. E que a manutenção do poder ideológico sobre os oprimidos e o fortalecimento dos aparelhos desse poder são questões que permanecem imutáveis, com pequenas variações acessórias. ( 1994, p. 15).
Para a Lei Maria da Penha são as formas de violência familiar (Art. 7º), ou seja, violência doméstica:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Assim sendo, a violência seja ela qual for a forma contra a mulher, abala não somente a mulher que é vítima direta, mas todos os que se relacionam com ela. É preciso criar mecanismos que coíbam essas ações de forma rígida e eficaz. Há muito tempo tem-se tentado coibir tais violências, contudo com ao advento da Lei 11.340 de 08 de agosto de 2006 é preciso fazer uma nova abordagem sobre essa situação.
A violência doméstica apesar de ser tão comentada nos meios de comunicação é tratada pelas vítimas como tabu. As mulheres ainda têm resistência em denunciar seus agressores, seja por medo, vergonha, constrangimento ou culpa por pensar que não foram capazes de sustentar seus casamentos darem certo.
A vitima quase sempre tem uma relação de dependência com o agressor. Mais que a dependência econômica com relação ao homem, é a dependência emocional que faz a mulher suportar as agressões.
Matsuda em entrevista ao site WMulher dia que há uma barreira entre o agressor e a vítima:
WM- Qual é a principal "barreira" que há entre o agressor e a vítima?
Claudia - Permaneci em contato direto com ambos (vítima e agressor) e percebi que, em alguns casos, aparentemente vivem em extrema harmonia e paz. Casais altamente perfeitos, independente de classe social, mas num piscar de olhos, o agressor não economiza tapas e socos, além das pressões psicológicas constantes e as ameaças e torturas. Isso transforma a vítima numa ostra e como está amendrontada não faz nada. Ela sabe que se falar algo pior irá acontecer, o medo da impunidade a leva a um estágio de cogelamento ao olhar para vítima. Até parece que ela vive num estágio de estagnação corporal, gélida e com olhos arregalados. A existência de uma barreira entre vítima e agressor é invisível aos olhos da sociedade. (2002, s/p – grifo do autor).
Zamerul aponta como conseqüência da barreira ou da dependência emocional entre vítima e agressor:
As conseqüências destes desencontros entre expectativas e ações são muitas frustrações, confusão, sentimento de injustiça, medos, ressentimentos, conflitos, ódio, hostilidades, desespero, competição pelo poder ou pela posse desta mulher e um contexto absolutamente favorável à violência física. Quando a situação chega a este nível de gravidade, o mais comum é que os dois sofram de séria dependência emocional e isto explica por que nenhum deles consegue sair da relação doente, mesmo quando notam que ela pode levá-los a um fim desastroso. (2007, s/p).
As agressões domésticas podem assumir caráter sexual. E quando isso ocorre, os agressores não são apenas os companheiros, mas também os próprios pais ou irmãos. Dias comenta que as mulheres ainda se prendem aos deveres de dona de casa, do lar, prevalecentes do século XIX e que “somente a partir da conscientização de que o novo modelo de família deve-se basear na mútua colaboração e no afeto é que se poderá chegar à tão almejada igualdade e, quiçá, ao fim da violência”:
Acostumada a realizar-se exclusivamente com o sucesso de seu par e o pleno desenvolvimento de seus filhos, não consegue, a mulher, encontrar em si mesma o centro de gratificação, o que gera um profundo sentimento de culpa que a impede de usar a queixa como forma de fazer cessar a agressão. É que, em seu íntimo, se acha merecedora da punição, por haver desatendido as tarefas que lhe são afeitas como a rainha do lar.
O medo, a dependência econômica, o sentimento de inferioridade, a baixa auto-estima, decorrentes da ausência de pontos de realização pessoais, sempre impuseram à mulher a lei do silêncio. Raros os casos em que se encorajam a revelar a agressão ocorrida dentro do lar.
(2004, p. 04).
Nesse sentido, as mulheres acabam postergando a denúncia e sendo vitimas de seus maridos. Muitas preferem agüentar a dor da violência que se expor a sociedade.
Não obstante a legislação brasileira protegesse de forma geral as mulheres de violência de qualquer natureza, seja através de leis gerais ou pela criação de órgãos específicos de proteção a mulher, assim como vários acordos internacionais que consideram a violência contra a mulher como uma violação dos direitos humanos, é com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11340 de 8 de agosto de 2006) que as mulheres brasileiras ganham mais força para combater e reprimir essa violência.
Segundo o artigo 1º da Lei 11.340/06 visa criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
A lei no seu parágrafo estabelece a igualdade as mulheres (art. 2º ) dizendo que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social, sendo assegurado-lhes os direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
REFERENCIAS
MARTINS. Bárbara. Do estupro conjugal. In: http://www.patriciagalvao.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=834. Acessado em: 25/09/2007 as 14 hs.
GONÇALVES, Nair Terezinha. Violência Invisível. Zero Hora, 06/03/07.
FISCHER. Isaura Rufino. Marques. Fernanda. Gênero e Exclusão. Agosto de 2001. Disponível em: http://www.fundaj.gov.br/tpd/113.html Acessado em: 16/06/2007 ás 14 horas.
LIEVEN, Elizabeth, LIEVEN, Guilherme. A violência contra a mulher. In: http://www.luteranos.com.br/mensagem/2003_113.html. Acessado em: 15/09/2007 as 17:15 hs.
CARDOSO, Reolina. Corpo de Mulher: o social e o individual em uma sociedade patriarcal. In: CARDOSO, Reolina. É uma mulher ... Petrópolis: Vozes, 1994.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes. Normas técnicas. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Política de Saúde., 1999.
BRASIL, Ministério da Saúde. Violência Ibtrafamiliar: orientações para prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
LEI 11.340/06. LEI MARIA DA PENHA. BRASILIA: Senado Federal 2006.
SAYAD, Mariana. Violência doméstica, um crime silencioso. 06/03/2002. In: http://www.wmulher.com.br/template.asp?canal=relacionamento&id_mater=1097. Acessado em 15/10/2007 as 18 hs.
ZAMERUL. Elizabeth . Dependência Emocional: a base da relação violenta. 30/07/2007. In: http://www.wmulher.com.br/template.asp?canal=relacionamento&id_mater=3687. Acessado em: 15/10/2007.
DIAS, Maria Berenice. Violência contra a Mulher. Jornal Correio do Povo, Porto Alegre – RS, 17/12/2001, p. 04.
DIAS, Maria Berenice. O Tempo da Violência. Jornal Correio do Povo, Porto Alegre – RS, 17/11/2002, p. 04.
André Gilberto Boelter Ribeiro
Textos, Artigos Públicados, Reportagens citadas, Fotos, entre outros assuntos.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2007
sexta-feira, 5 de janeiro de 2007
Como produzir materiais para o ensino de línguas
Como produzir materiais para o ensino de línguas
Vilson J. Leffa
observação
este texto não é de minha autoria como os demais. Apenas coloquei ele em meu blog porque achei interessante.
REFERÊNCIA:LEFFA, Vilson J. Como produzir materiais para o ensino de línguas. In: LEFFA, Vilson J. (Org.). Produção de materiais de ensino: teoria e prática. Pelotas: EDUCAT, 2003, p. 13-38.
INTRODUÇÃO
A produção de materiais de ensino é uma seqüência de atividades que tem por objetivo criar um instrumento de aprendizagem. Essa seqüência de atividades pode ser descrita de várias maneiras, envolvendo um número maior ou menor de etapas. Minimamente, deve envolver pelo menos quatro momentos: (1) análise, (2) desenvolvimento, (3) implementação e (4) avaliação. Idealmente essas quatro etapas devem formar um ciclo recursivo, onde a avaliação leve a uma nova análise, reiniciando um novo ciclo.
A produção de materiais é também um processo sistemático e de complexidade variada. Na extremidade mais simples está, por exemplo, o resumo esquemático distribuído durante uma palestra para acompanhar o que diz o palestrante. Na extremidade superior da escala, podem ser listados projetos envolvendo o uso de vídeo ou de multimídia interativa, o que pela sua complexidade exige um planejamento mais detalhado. Falta de planejamento, nesse nível, pode resultar em perda de tempo, dinheiro e esforço (Fardouly, 2002).
Análise
A análise parte de um exame das necessidades dos alunos, incluindo seu nível de adiantamento e o que eles precisam aprender. As necessidades são geralmente mais bem atendidas quando levam em consideração as características pessoais dos alunos, seus anseios e expectativas, preferência por um ou outro estilo de aprendizagem. Para que a aprendizagem ocorra é também necessário que o material entregue ao aluno esteja adequado ao nível de conhecimento do conteúdo a ser desenvolvimento. O que aluno já sabe deve servir de andaime para que ele alcance o que ainda não sabe. Ninguém aprende algo que é totalmente conhecido e nem algo que seja totalmente novo. A capacidade de acionar o conhecimento prévio do aluno é uma condição necessária para o sucesso de um determinado material.
O que o aluno precisa aprender, portanto, não é determinado apenas pela soma de competências exigida por uma determinada circunstância, seja ela originada pela escola, pela comunidade ou mesmo pelo mercado de trabalho. Uma determinada circunstância pode exigir do aluno, por exemplo, que ele seja capaz de escrever cartas comerciais numa língua estrangeira, envolvendo uma série de competências como domínio de uma terminologia específica, o uso correto das normas sintáticas da língua, disposição gráfica do texto na página, conhecimento do gênero epistolar, etc. Isso não significa, no entanto, que o aluno precisa aprender, num determinado momento, todas essas competências; o que o aluno precisa aprender vai depender do que ele já sabe. O material a ser produzido deve oferecer ao aluno a ajuda que ele precisa no grau exato de seu adiantamento e de suas necessidades, preenchendo possíveis lacunas. A análise inicial das necessidades deve ser capaz não só de estabelecer o total das competências a serem desenvolvidas, mas também descontar dessas competências o que o aluno já domina. O saldo dessa operação é o que o aluno precisa aprender.
Desenvolvimento
A etapa do desenvolvimento parte dos objetivos que são definidos depois da análise das necessidades. A definição clara dos objetivos dá uma direção à atividade que está sendo desenvolvida com o uso do material. Ajuda a quem aprende porque fica sabendo o que é esperado dele. Ajuda a quem elabora o material porque permite ver se a aprendizagem está sendo eficiente, facilitando, assim, a avaliação.
A definição dos objetivos
Os objetivos podem ser gerais ou específicos. Objetivos gerais são elaborados para períodos maiores de aprendizagem, como o planejamento de um curso; os objetivos específicos, para períodos menores, envolvendo, por exemplo, uma aula ou atividade. Ambos devem começar com um verbo que descreva o comportamento final desejado para o aluno.
Para os objetivos gerais usam-se geralmente verbos que denotam comportamentos não diretamente observáveis. Entre esses verbos, os seguintes têm sido usados com mais freqüência: saber, compreender, interpretar, aplicar, analisar, integrar, julgar, aceitar, apreciar, criar, etc.
Para os objetivos específicos, usam-se verbos de ação, envolvendo comportamentos que podem ser diretamente observados. Entre eles, destacam-se: identificar, definir, nomear, relacionar, destacar, afirmar, distinguir, escrever, recitar, selecionar, combinar, localizar, usar, responder, detectar, etc.
Verbos que denotam processo − aprender, desenvolver, memorizar, adquirir, etc. − não podem ser usados para elaborar objetivos educacionais; eles não descrevem o resultado da aprendizagem.
O objetivo de aprendizagem tem três componentes essenciais: (1) as condições de desempenho; (2) o comportamento que o aluno deve demonstrar (expresso por um verbo); (3) o critério de execução da tarefa. No modelo clássico de Bloom (Anderson & Krathwohl, 2001), o objetivo é sempre apresentado em termos do que o aluno deve alcançar, sob a perspectiva do próprio aluno, não do material desenvolvido. A ênfase está na aprendizagem, naquilo que o aluno deve adquirir e no comportamento que ele deve demonstrar − não no ensino, não no material que vai ser usado para levar o aluno a atingir o objetivo.
É objetivo de aprendizagem: “ao ler um texto o aluno deverá ser capaz de identificar três idéias principais”.
Não é um objetivo de aprendizagem: “Ensinar a diferença entre idéia principal e idéia secundária”.
As condições de desempenho especificam as circunstâncias sob as quais o comportamento deve ser demonstrado. Podem, e devem, ser expressas de modo simples, através de uma afirmação. Alguns exemplos:
Ao assistir o vídeo de um comercial, o aluno deverá...
Ao ouvir a gravação de uma música, o aluno deverá ...
O comportamento que o aluno deve demonstrar deve ser expresso através de um verbo que denota uma ação diretamente observável.
Os critérios de execução da tarefa podem ser expressos em termos de velocidade, grau de correção ou qualidade. O critério estabelecido no objetivo é visto como o mínimo que o aluno deve atingir. Se a atividade pede, por exemplo, que o aluno responda a dez perguntas com 70% de acertos (critério), o objetivo será atingido com qualquer percentual igual ou acima de 70%.
É possível traçar os objetivos do material a ser produzido, não só no domínio cognitivo (envolvendo conhecimento), mas também no domínio afetivo (envolvendo atitudes) e mesmo no domínio psicomotor (envolvendo habilidades). A definição desses objetivos leva em consideração não só a análise das necessidades mas também o tempo disponível, sendo às vezes muito difícil adequar os objetivos ao tempo de que se dispõe.
A seguir, apresentamos uma lista de exemplos em cada um desses objetivos nos três domínios, aplicado ao ensino de línguas (cada objetivo geral é seguido de objetivos específicos).
Taxionomia de objetivos para o ensino de línguas
Domínio cognitivo
1. Conhece o vocabulário relacionado a um determinado tópico
1.1 identifica sinônimos
1.2 relaciona antônimos
1.3 define palavras
1.4 nomeia objetos
1.5 soletra palavras
1.6 deduz o significado de palavras desconhecidas através do contexto
2 Compreende a estrutura gramatical
2.1 substitui palavras numa frase
2.2 transforma frases (interrogação, negação)
2.3 identifica anomalias gramaticais
2.4 fornece o tempo verbal correto
2.5 identifica sentenças completas
2.6 identifica sinonímia estrutural
3 Aplica regras gramaticais
3.1 constrói frases
3.2 responde oralmente
3.3 responde por escrito
3.4 traduz para o português
3.5 traduz para a língua estrangeira
3.6 apresenta alguém
3.7 cumprimenta
3.8 atende a um pedido
4 Analisa textos escritos
4.1 infere emoção
4.2 identifica estereótipos culturais
4.3 deduz conseqüências
4.4 descreve personagens
4.5 esquematiza enredo
4.6 descreve contexto
4.7 identifica tema
4.8 relaciona informação textual com informação extratextual
5 Integra conhecimentos de diferentes áreas
5.1 usa mecanismos adequados para iniciar e encerrar turnos de conversação
5.2 resume extraindo as idéias principais de um texto
5.3 usa o sumário e índice remissivo de um livro para encontrar a informação desejada
5.4 escreve um parágrafo bem organizado
5.5 completa exercícios de cloze
5.6 expressa relações entre partes do texto através de conectores
5.7 organiza adequadamente a informação num texto dissertativo
5.8 faz o mapa conceitual de um texto
5.9 transforma um mapa conceitual em texto
6 Julga o valor de material escrito
6.1 explica a finalidade de um mecanismo retórico
6.2 justifica o uso da linguagem figurada
6.3 relaciona estilo com objetivo
6.4 identifica níveis de formalidade
Domínio afetivo
1 Aceita diferenças culturais
1.1 olha com atenção para fotos
1.2 faz perguntas sobre ilustrações
1.3 aponta para detalhes das ilustrações
1.4 faz comentários sobre fotos
2 Demonstra interesse no tópico
2.1 oferece-se como voluntário para responder perguntas
2.2 faz atividades além do que é solicitado
2.3 traz material extra para a aula
2.4 pergunta sobre cursos na comunidade
2.5 cumprimenta o professor na LE
3 Aprecia obras literárias
3.1 tira livros emprestado da biblioteca
3.2 lê além do que pede o professor por prazer
3.3 discute diferentes autores
3.4 elogia algumas obras literárias
4 Integra conhecimento da língua em seu plano de vida
4.1 justifica a importância de conhecer a língua em sua futura profissão
4.2 lê revistas especializadas
4.3 busca na Internet tópicos tratados em aula
5 Demonstra consistência na prática da língua estrangeira
5.1 aproveita todas as oportunidades para praticar a LE
5.2 participa de salas de bate-papo na LE na Internet
5.3 procura ouvir e ler a LE diariamente
Domínio psicomotor
1 Reconhece vogais na língua estrangeira
1.1 discrimina vogais em pares mínimos
1.2 identifica a vogal numa sentença
2 Sabe a posição dos órgãos da fala para os diferentes fonemas
2.1 pronuncia corretamente seqüências de fonemas inexistentes na língua materna (slow)
2.2 explica a posição da língua para uma determinada vogal
2.3 mostra a posição correta dos lábios
2.4 abre a boca corretamente
3 Imita sentenças que ouve
3.1 repete adequadamente o modelo
3.2 executa exercícios simples de expansão
3.3 executa substituições em exercícios orais
4 Fala naturalmente
4.1 pronuncia sentenças em velocidade normal
4.2 usa a entonação adequada para perguntas
4.3 acentua adequadamente palavras em uma frase
5 Fala fluentemente
5.1 fala sem hesitação
5.2 produz frases no ritmo adequado da língua
5.3 usa pausas corretamente
6 Ajusta a fala à situação
6.1 fala mais rápido quando tem menos tempo
6.2 articula as palavras com mais cuidado quando diante de um auditório maior
7 Muda a pronúncia
7.1 imita sotaques regionais
imita a fala de pessoas famosas
A definição da abordagem
Uma vez definidos os objetivos de aprendizagem, é necessário selecionar os conteúdos pelos quais os objetivos serão alcançados. Se o objetivo, por exemplo, for levar o aluno a compreender um texto de uma determinada área de conhecimento, o conteúdo selecionado pode ser um texto, uma amostra do léxico típico da área, uma lista de determinados mecanismos retóricos ou uma integração de diferentes conteúdos. A opção por um desses aspectos é determinada pela filosofia de aprendizagem a que se filia o professor. Tradicionalmente, no ensino de línguas, há seis grandes abordagens (Krahnke, 1987), que ampliamos abaixo, incluindo aspectos da língua materna.
Abordagem estrutural. O que o aluno precisa aprender são o léxico e as estruturas gramaticais da língua. Deve saber expressar-se dentro de um vocabulário adequado e com correção gramatical. Pode haver uma tolerância maior ou menor para com os vícios de linguagem, incluindo estrangeirismos, problemas de regência, mas geralmente não são aceitos. A preocupação é mais com a forma do que com o conteúdo.
Abordagem nocional/funcional. A ênfase está no objetivo para o qual se usa a língua, na realidade, mais na função do que na noção. No caso da língua estrangeira, parte de uma taxionomia das funções: como discordar, apresentar alguém, pedir desculpas, etc. Também pode ser aplicado ao ensino da língua materna: como escrever uma carta de pedido de emprego, como rejeitar um convite educadamente, como solicitar ao auditório que se levante para cantar o hino nacional, etc.
Abordagem situacional. O conteúdo a ser ensinado parte de uma situação onde a língua é usada: visita ao médico, check in no aeroporto, abertura de uma reunião de negócios, etc. O pressuposto é de que nessas situações há uma seqüência típica de funções que ocorrem sempre da mesma maneira usando sempre o mesmo tipo de linguagem − e que pode, portanto, ser pré-determinado.
Abordagem baseada em competências. Parte do princípio de que a linguagem usada numa determinada situação é relativamente independente da situação, dependendo mais de competências e processos lingüísticos (domínio dos aspectos fonológicos, lexicais, sintáticos, discursivos, capacidade em detectar a idéia principal, em fazer uma apresentação oral, etc.) que perpassam diferentes situações.
Abordagem baseada em tarefa. Caracteriza-se por subordinar a aprendizagem da língua à execução de uma determinada tarefa. É a execução da tarefa que vai determinar que conteúdo lingüístico precisa ser aprendido. Diferencia-se da abordagem situacional, por não predeterminar esse conteúdo, que pode surgir de modo imprevisível durante o desempenho da tarefa.
Abordagem baseada em conteúdo. Põe a ênfase no conteúdo, usando a língua que o aluno precisa aprender. O pressuposto é de que enquanto o aluno presta atenção no conteúdo, acaba adquirindo a língua incidentalmente. O material portanto não é desenvolvido a partir de tópicos lingüísticos, mas de tópicos do próprio conteúdo.
Ainda que seja possível desenvolver material de ensino rigorosamente dentro de uma única abordagem, a prática sugere a integração de duas ou mais. É também aconselhável levar em consideração os objetivos de aprendizagem, e, a partir daí, escolher a abordagem mais adequada.
A definição do conteúdo
O conteúdo na produção de um determinado material pode ser definido de várias maneiras, dependendo da concepção que se tem de língua. Se entendo, por exemplo, que língua é um conjunto de palavras ligadas por regras gramaticais, faço um recorte do léxico e da sintaxe; se vejo a língua como um conjunto de eventos comunicativos, incluo outros aspectos como regras de formalidade, os lugares sociais de onde falam os interlocutores, os efeitos de sentido que suas falas podem provocar, etc.; se entendo a língua como um meio para desempenho de determinadas atividades, posso selecionar uma lista de tarefas que devem ser executadas pelos alunos: como escrever uma carta comercial, elaborar um currículo, fazer uma homepage, etc.
Quando se fala em produção de materiais, tem-se privilegiado o ensino baseado na tarefa. Nesse caso, há uma preocupação maior com o mundo real e o uso de dados lingüísticos autênticos. A idéia é de que o aluno não deve passar por um curso sem conhecer a língua como ela é realmente usada fora da sala de aula. Muitas vezes os alunos têm dificuldade de transferir para o mundo real aquilo que aprendem na escola. Não vendo aplicação prática para o conhecimento adquirido, acham-se muitas vezes donos de um conhecimento inútil. O uso de material autêntico pode ser uma maneira de facilitar essa transferência de aprendizagem.
A transferência, no entanto, parece estar apoiada em um paradoxo de difícil solução (1) para sobreviver no mundo real, o aluno precisa ser preparado pela escola; (2) para ser preparado, de modo que a aprendizagem faça sentido, o aluno precisa conhecer o mundo real. O desafio aqui − usando uma metáfora freqüentemente citada na educação (Weininger, 2001) − é como levar o aluno do ambiente protegido do aquário para os perigos do mar aberto. A solução proposta por alguns, usando ainda a mesma metáfora, é jogar o aluno no mar, puxando-o de vez em quando para que respire (Wilson, Jonassen & Cole, 1993). A idéia é de que o tempo entre o investimento inicial do aluno na aprendizagem e o retorno pelo esforço despendido seja o mais breve possível, o que pode ser facilitado na medida em que o aluno seja solicitado desde o início a realizar tarefas significativas e próximas do mundo real (Carroll, 1990).
Na definição do conteúdo, a preocupação está em definir da maneira mais clara possível o que exatamente o aluno precisa aprender para atingir os objetivos definidos anteriormente.
A definição das atividades
A produção de materiais de ensino é uma área essencialmente prática. A teoria é importante na medida em que fornece o suporte teórico necessário para justificar cada atividade proposta, mas subjaz à atividade, podendo ou não ser explicitada. Quem prepara o material precisa ter uma noção bem clara da fundamentação sobre a qual se baseia, mas vai concentrar todo seu esforço em mostrar a prática, não a teoria. A teoria trabalha nos bastidores; a prática é o que aparece no palco. Um bom trabalho de bastidores dá segurança ao que é apresentado, permitindo inovações e até ousadias.
As atividades propostas para o ensino de línguas têm sido tradicionalmente classificadas em quatro grandes áreas: (1) fala, (2) escuta, (3) leitura e (4) escrita. Os materiais podem ser preparados para cada uma dessas habilidades, em separado, ou de modo integrado, incluindo duas ou mais habilidades. A Figura 1 mostra o recorte de uma atividade que pode ser usada para a prática da leitura de tabelas, produção oral e escuta.
A definição dos recursos
A definição dos recursos envolve basicamente o suporte sobre o qual a língua vai ser apresentada ao aluno. Tradicionalmente o suporte mais comum tem sido o papel, que por sua vez pode ser subdividido em muitos outros (livro, jornal, revista, revista em quadrinhos, revista acadêmica, etc.). Com o desenvolvimento e barateamento das tecnologias de comunicação, outros suportes tornaram-se populares, incluindo fitas de áudio, fitas de vídeo e, mais recentemente, o computador e a Internet.
Figura 1 − Exemplo de material para ensino de Português como língua estrangeira.
A introdução do computador parece demandar uma nova alfabetização, ou literacia, com a exigência de novas competências, incluindo a capacidade de trabalhar com arquivos eletrônicos (saber como salvar um arquivo, copiá-lo de um computador para outro, compactá-lo e descompactá-lo, enviá-lo pela Internet, navegar na rede, localizar arquivos em qualquer ponto do planeta, instalar e desinstalar programas, usar anti-virus etc.). O computador, na realidade, representa uma convergência de diferentes tecnologias, incluindo textos, imagens, sons e movimentos.
Para quem possui as competências pressupostas pela nova literacia, os recursos que podem ser usados para o desenvolvimento de materiais de aprendizagem nunca foram tantos, tão fáceis de usar e tão disponíveis. Muitos recursos que há alguns anos só estavam disponibilizados para grandes empresas, com altos custos de produção, agora podem ser acessados por praticamente por qualquer indivíduo, a um custo irrisório ou inexistente. A Figura 2, por exemplo, mostra o resultado de uma pesquisa usando o Google, onde o objeto procurado era a imagem de mãe com filho (“woman” e “child” em inglês). Em menos de um segundo o sistema conseguiu localizar milhares de arquivos contendo imagens de mulher com criança.
Depois de acessado, um arquivo eletrônico, por sua natureza líquida, altamente mutável, pode ser modificado e reformulado de inúmeras maneiras (Maley,1998). Uma imagem pode ser não só ampliada, reduzida, alongada, distorcida, etc. mas também inserida num determinado texto que o professor tenha selecionado para um grupo de alunos. Seja qual for o texto, é sempre possível ilustrá-lo com uma foto ou desenho rigorosamente adequado a um determinado conteúdo ou objetivo de uma aula.
Figura 2 − Imagens selecionadas do Google com as palavras-chave “woman” e “child”, de um universo de milhares de imagens.
Ordenamento das atividades
Os dois critérios básicos para o ordenamento das atividades são facilidade e necessidade. Pelo primeiro critério, inicia-se pelo que é mais fácil e simples para o aluno, progredindo gradativamente para o que é mais difícil e complexo. O retorno pelo investimento feito na aprendizagem pode às vezes demorar um pouco, até produzir algo útil. Pelo critério da necessidade, começa-se pelo que é mais necessário e útil para o aluno, com retorno mais imediato. A situação ideal é aquela em que se possa unir os dois critérios; quando isso não for possível, a tendência tem sido sacrificar pelo menos parte da facilidade em benefício da utilidade antecipada.
Uma maneira mais ampla e geral de ordenar as atividades baseia-se nos nove eventos instrucionais de Gagné, assim descritos:
Garanta atenção. Inicie despertando a curiosidade do aluno para o tópico da atividade. Conte uma história, mostre uma ilustração, faça uma analogia, conte uma anedota, cite um pensamento interessante.
Informe os objetivos. Deixe claro para os alunos o que eles vão aprender: “No fim dessa atividade vocês vão saber como...”. Crie uma expectativa através dos objetivos.
Acione o conhecimento prévio. Faça os alunos pensar sobre o que eles já sabem. Relacione a atividade nova a situações e conhecimento que lhe são familiares.
Apresente o conteúdo. Mostre os pontos mais importantes, use técnicas variadas para manter a atenção e aumentar a compreensão. Use ilustrações, fotos, objetos.
Facilite a aprendizagem. Ajude os alunos a seguir no processo de aprendizagem, orientando, esclarecendo, dando exemplos.
Solicite desempenho. Mantenha participação ativa dos alunos. Peça para que executem tarefas relacionadas ao que estão aprendendo. Envolva-os perguntando, discutindo, demonstrando.
Forneça feedback. Deixe claro para seus alunos de como eles estão acompanhando a atividade, ajudando com mais esclarecimento quando necessário. Tente produzir o material de aprendizagem de modo a poder inserir feedback.
Avalie o desempenho. Verifique a aprendizagem dos alunos pela observação, perguntas. Na produção de materiais abra espaço para avaliação contínua.
Ajude na retenção e transferência. Faça com que os alunos lembrem o que estão aprendendo e ajude-os a aplicar seus novos conhecimentos.
A questão da motivação
Manter a motivação durante e após a atividade de ensino tem sido uma das grandes metas da educação e é uma das preocupações básicas na produção de materiais. A atividade deve ser prazerosa para o aluno, despertar sua curiosidade e mantê-lo interessado no assunto, mesmo depois que tenha terminado. O modelo mais conhecido para incorporar técnicas de motivação em atividades de ensino é o ARCS (Sigla para Atenção, Relevância, Confiança e Satisfação), desenvolvido por John Keller na Universidade do Estado da Flórida.
A teoria básica sobre a qual se apóia o modelo é a chamada expectativa de valor, segundo a qual a motivação é medida pelo esforço demonstrado na execução de uma tarefa. Para que haja esforço, duas condições são necessárias: (1) a pessoa deve acreditar que a tarefa seja importante; (2) a pessoa deve acreditar que é capaz de executar a tarefa (Vroom, 1964; Porter & Lawler, 1968; Tomlinson, 1998).
O modelo ARCS identifica quatro estratégicas básicas para sustentar a motivação:
Estratégias de atenção [A] para despertar e manter a curiosidade e o interesse. Pense em maneiras pela qual se pode introduzir uma novidade, surpresa ou incerteza no início de uma atividade. Como fazer perguntas e apresentar problemas que possam estimular a curiosidade? Como introduzir variação na atividade que está sendo proposta?
Estratégias de relevância [R] para mostrar a utilidade de uma tarefa, quais são seus objetivos e quais são os métodos que podem ser usados para chegar aos objetivos, mostrando também a importância que a tarefa pode ter na vida dos alunos. Permitir que os alunos exponham seus interesses e necessidades. Relacionar a tarefa à experiência e valores apreciados pelos alunos. Expor a tarefa de maneira clara e compreensível para os alunos.
Estratégias de confiança [C] que ajudem os alunos a desenvolver uma expectativa positiva de sucesso. Informar aos alunos quais são os critérios de avaliação, o que se espera deles em termos de trabalhos a serem executados. Oferecer oportunidades de sucesso através de projeto menores que preparem os alunos para os projetos maiores. Reconhecer o esforço pessoal do aluno e seus acertos em cada atividade proposta.
Estratégias de satisfação [S] que mostre reconhecimento pelo esforço intrínseco e extrínseco do aluno. Exemplos de esforço intrínseco envolvem a satisfação pela própria aprendizagem, possivelmente mostrando o exemplo de pessoas conhecidas que possuem a habilidade em questão. Exemplos extrínsecos incluem feedback, diplomas, homenagens, etc.
Implementação
A etapa da implementação pode receber um cuidado maior ou menor dependendo, via de regra, da maior ou menor presença de quem preparou o material. Há três situações básicas: (1) o material vai ser usado pelo próprio professor, (2) o material vai ser usado por outro professor, (3) o material vai ser usado diretamente pelo aluno sem presença de um professor. Cada um desses casos requer uma estratégia diferente de implementação.
Quando o próprio professor prepara o material para os seus alunos a implementação dá-se de modo intuitivo, complementada pelo professor, que oralmente explica aos alunos o que dever ser feito. Normalmente o material pressupõe essa intervenção oral, funcionando em “distribuição complementar” com o professor. Erros maiores e mal-entendidos que atrapalharam na implementação podem ser anotados e reformulados para uma próxima apresentação. A Figura 3 mostra um exemplo deste tipo de atividade.
Quando o material vai ser usado por um outro professor há necessidade de instruções de como o material deve ser apresentado e trabalhado pelos alunos. Usando ainda como exemplo a Figura 3, o autor teria que explicar o objetivo da atividade, o tipo de conhecimento que está sendo construído, como a atividade deve ser conduzida junto com os alunos, as possíveis respostas para as questões que estão sendo colocadas, como certas respostas dadas pelos alunos deveriam ser trabalhadas, etc.
A situação mais difícil e que requer maior cuidado é aquela em que o material vai ser usado sem a presença do professor. Há dois grandes desafios aqui: O primeiro é estabelecer contato com o aluno, idealmente oferecendo nem menos nem mais do que ele precisa, descendo ao seu nível de conhecimento mas sem distorcer a complexidade do saber que precisa ser apreendido. O segundo desafio, é tentar prever o que pode acontecer. Como o professor não estará presente durante a execução da tarefa, é preciso ter uma idéia das possíveis dúvidas do aluno. Prever, no entanto, é partir do pré-construído, sem espaço para a criatividade e o inesperado. Tudo o que o aluno fizer além do que estiver previsto no material ficará sem retorno, de modo que quanto mais criativo for o aluno mais abandonado ele ficará.
Figura 3 - Exemplo de material sem instruções de uso.
Alguns exemplos tradicionais de material produzido para ensino sem a presença do professor são os livros com chaves de respostas, cursos de línguas com fitas de áudio, às vezes incluindo perguntas com tempo de espera para a resposta do aluno, seguida da gravação da resposta correta para que o aluno possa escutar e comparar seu desempenho.
Com a informatização e a possibilidade da tomada de decisão pela máquina, a aprendizagem sem a presença do professor pode ser melhorada em termos de gerenciamento: uma ajuda automática pode ser apresentada para o aluno em caso de erro, a avaliação do desempenho pode ser dada logo após a resposta solicitada, uma estratégia de leitura pode ser sugerida no momento em que o aluno demonstrar precisar dela, etc.
A aprendizagem independente, sem a ajuda do professor, parece ter duas grandes limitações:
(1) Necessidade de alta motivação. A aprendizagem só ocorre se o aluno demonstrar o empenho suficiente para vencer todos os obstáculos que podem ocorrer durante a execução das tarefas. Será preciso muitas vezes refazer o trabalho, buscar ajuda em outros materiais, usando diferentes estratégias para resolver os inúmeros problemas que surgem. Sem essa motivação constante, que perdure além do entusiasmo inicial, não há possibilidade de manter o envolvimento necessário com o conteúdo para que a aprendizagem ocorra.
(2) Falta de uma avaliação externa. O aluno é o juiz de seu próprio desempenho. Como seu desempenho não é assistido, haverá erros e desvios em sua aprendizagem que passarão desapercebidos e poderão ficar automatizados. Mesmo em ambiente informatizado, não há possibilidade de captar todos os desvios que podem ser produzidos pelo aluno e que afetarão negativamente sua aprendizagem.
É possível que com a distribuição do conhecimento em rede - não apenas informação que se observa do lado de fora, mas conhecimento que se compartilha - o aluno tenha oportunidade de testar seus conhecimentos, comparando-o com o conhecimento dos outros. Algumas hipóteses já construídas serão rejeitadas, outras serão confirmadas e uma validação mais precisa da aprendizagem será possível. A aprendizagem autônoma não será a utopia prometida em muitos livros populares que aparecem nos jornaleiros, com títulos chamativos do tipo “Aprenda a falar em público sozinho”, “Francês sem mestre”, “Inglês em 30 dias” etc., mas poderá ser mais viável, por uma razão muito simples. Num mundo em que se distribui a inteligência e a cognição, a distribuição do conhecimento parece uma hipótese razoável. A própria autonomia - como a cognição, a inteligência e o conhecimento - deixa também de ser individualizada para ser coletiva e distribuída.
Avaliação
A avaliação de materiais pode ser feita de modo informal, geralmente quando envolve o trabalho de um único professor que prepara uma folha de exercícios, usa uma vez, vê como funciona, reformula para usar uma segunda vez, e assim indefinidamente com diferentes grupos de alunos, sem chegar a uma versão definitiva. Em outras situações, o material é preparado por um grupo de professores para uso próprio e/ou de outros colegas da mesma instituição. Nesses casos, a avaliação assume um caráter mais formal e pode ser feita por consultoria de um especialista ou por questionários e entrevistas com os alunos. Em escala maior, como no caso da publicação de um livro, os materiais são normalmente pilotados. (Donovan, 1998)
A avaliação formal pode também ser feita através de protocolos, onde os alunos, ao fazerem as tarefas solicitadas pelo material, procuram expressar o que estão pensando, demonstrando assim os tipos de raciocínio em que estão envolvidos, as estratégias de aprendizagem que estão usando e as atitudes que estão desenvolvendo.
Os questionários, entrevistas e mesmo a análise de protocolos têm sido criticados por não serem muito confiáveis. Por questões de respeito e ameaça à face do professor, o aluno poderá dizer não exatamente o que pensa mas o que acha que o professor gostaria de ouvir. Por isso, muitos pesquisadores preferem a observação direta do trabalho do aluno com o material; mais importante do que o que os alunos respondem ou dizem é o que eles realmente fazem. Isso só se consegue pela observação.
A pilotagem mostra basicamente o que pode permanecer como está e o que precisa ser melhorado. Isso só é possível quando o material é testado com os alunos para o qual se destina, quando então se pode constatar se houve ou não o ponto de contato entre o nível de conhecimento pressuposto pelo material e o nível real do aluno.
Conclusão
Em termos de teoria, principalmente no que concerne os papéis do professor e do aluno, a produção de materiais diverge tanto da abordagem tradicional, que põe o professor no centro do processo de aprendizagem, como da abordagem mais recente, que salienta o papel do aluno. Produção de materiais não está centrada nem no professor nem no aluno; está centrada na tarefa.
É importante não confundir produto com tarefa. O produto é o artefato produzido (a folha de exercício, a fita de áudio, o programa de computador). A tarefa é a atividade que resulta do encontro desse artefato com o aluno. Em outras palavras, o artefato é o instrumento pelo qual a tarefa se realiza. Ensino centrado na tarefa, realça obviamente a tarefa e não o artefato.
REFERÊNCIAS
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WEININGER, M. J. Do aquário em direção ao mar aberto;mudanças no papel do professor e do aluno. In: LEFFA, V. J. (org.). O professor de línguas estrangeiras; construindo a profissão. Pelotas: Educat, 2001, p. 41-68.
WILSON, B. G., JONASSEN, D. H., & COLE, P. Cognitive approaches to instructional design. In PISKURICH, G. M. (Ed.), The ASTD handbook of instructional technology. New York: McGraw-Hil, 1993. p. 21.1-21.22.
Vilson J. Leffa
observação
este texto não é de minha autoria como os demais. Apenas coloquei ele em meu blog porque achei interessante.
REFERÊNCIA:LEFFA, Vilson J. Como produzir materiais para o ensino de línguas. In: LEFFA, Vilson J. (Org.). Produção de materiais de ensino: teoria e prática. Pelotas: EDUCAT, 2003, p. 13-38.
INTRODUÇÃO
A produção de materiais de ensino é uma seqüência de atividades que tem por objetivo criar um instrumento de aprendizagem. Essa seqüência de atividades pode ser descrita de várias maneiras, envolvendo um número maior ou menor de etapas. Minimamente, deve envolver pelo menos quatro momentos: (1) análise, (2) desenvolvimento, (3) implementação e (4) avaliação. Idealmente essas quatro etapas devem formar um ciclo recursivo, onde a avaliação leve a uma nova análise, reiniciando um novo ciclo.
A produção de materiais é também um processo sistemático e de complexidade variada. Na extremidade mais simples está, por exemplo, o resumo esquemático distribuído durante uma palestra para acompanhar o que diz o palestrante. Na extremidade superior da escala, podem ser listados projetos envolvendo o uso de vídeo ou de multimídia interativa, o que pela sua complexidade exige um planejamento mais detalhado. Falta de planejamento, nesse nível, pode resultar em perda de tempo, dinheiro e esforço (Fardouly, 2002).
Análise
A análise parte de um exame das necessidades dos alunos, incluindo seu nível de adiantamento e o que eles precisam aprender. As necessidades são geralmente mais bem atendidas quando levam em consideração as características pessoais dos alunos, seus anseios e expectativas, preferência por um ou outro estilo de aprendizagem. Para que a aprendizagem ocorra é também necessário que o material entregue ao aluno esteja adequado ao nível de conhecimento do conteúdo a ser desenvolvimento. O que aluno já sabe deve servir de andaime para que ele alcance o que ainda não sabe. Ninguém aprende algo que é totalmente conhecido e nem algo que seja totalmente novo. A capacidade de acionar o conhecimento prévio do aluno é uma condição necessária para o sucesso de um determinado material.
O que o aluno precisa aprender, portanto, não é determinado apenas pela soma de competências exigida por uma determinada circunstância, seja ela originada pela escola, pela comunidade ou mesmo pelo mercado de trabalho. Uma determinada circunstância pode exigir do aluno, por exemplo, que ele seja capaz de escrever cartas comerciais numa língua estrangeira, envolvendo uma série de competências como domínio de uma terminologia específica, o uso correto das normas sintáticas da língua, disposição gráfica do texto na página, conhecimento do gênero epistolar, etc. Isso não significa, no entanto, que o aluno precisa aprender, num determinado momento, todas essas competências; o que o aluno precisa aprender vai depender do que ele já sabe. O material a ser produzido deve oferecer ao aluno a ajuda que ele precisa no grau exato de seu adiantamento e de suas necessidades, preenchendo possíveis lacunas. A análise inicial das necessidades deve ser capaz não só de estabelecer o total das competências a serem desenvolvidas, mas também descontar dessas competências o que o aluno já domina. O saldo dessa operação é o que o aluno precisa aprender.
Desenvolvimento
A etapa do desenvolvimento parte dos objetivos que são definidos depois da análise das necessidades. A definição clara dos objetivos dá uma direção à atividade que está sendo desenvolvida com o uso do material. Ajuda a quem aprende porque fica sabendo o que é esperado dele. Ajuda a quem elabora o material porque permite ver se a aprendizagem está sendo eficiente, facilitando, assim, a avaliação.
A definição dos objetivos
Os objetivos podem ser gerais ou específicos. Objetivos gerais são elaborados para períodos maiores de aprendizagem, como o planejamento de um curso; os objetivos específicos, para períodos menores, envolvendo, por exemplo, uma aula ou atividade. Ambos devem começar com um verbo que descreva o comportamento final desejado para o aluno.
Para os objetivos gerais usam-se geralmente verbos que denotam comportamentos não diretamente observáveis. Entre esses verbos, os seguintes têm sido usados com mais freqüência: saber, compreender, interpretar, aplicar, analisar, integrar, julgar, aceitar, apreciar, criar, etc.
Para os objetivos específicos, usam-se verbos de ação, envolvendo comportamentos que podem ser diretamente observados. Entre eles, destacam-se: identificar, definir, nomear, relacionar, destacar, afirmar, distinguir, escrever, recitar, selecionar, combinar, localizar, usar, responder, detectar, etc.
Verbos que denotam processo − aprender, desenvolver, memorizar, adquirir, etc. − não podem ser usados para elaborar objetivos educacionais; eles não descrevem o resultado da aprendizagem.
O objetivo de aprendizagem tem três componentes essenciais: (1) as condições de desempenho; (2) o comportamento que o aluno deve demonstrar (expresso por um verbo); (3) o critério de execução da tarefa. No modelo clássico de Bloom (Anderson & Krathwohl, 2001), o objetivo é sempre apresentado em termos do que o aluno deve alcançar, sob a perspectiva do próprio aluno, não do material desenvolvido. A ênfase está na aprendizagem, naquilo que o aluno deve adquirir e no comportamento que ele deve demonstrar − não no ensino, não no material que vai ser usado para levar o aluno a atingir o objetivo.
É objetivo de aprendizagem: “ao ler um texto o aluno deverá ser capaz de identificar três idéias principais”.
Não é um objetivo de aprendizagem: “Ensinar a diferença entre idéia principal e idéia secundária”.
As condições de desempenho especificam as circunstâncias sob as quais o comportamento deve ser demonstrado. Podem, e devem, ser expressas de modo simples, através de uma afirmação. Alguns exemplos:
Ao assistir o vídeo de um comercial, o aluno deverá...
Ao ouvir a gravação de uma música, o aluno deverá ...
O comportamento que o aluno deve demonstrar deve ser expresso através de um verbo que denota uma ação diretamente observável.
Os critérios de execução da tarefa podem ser expressos em termos de velocidade, grau de correção ou qualidade. O critério estabelecido no objetivo é visto como o mínimo que o aluno deve atingir. Se a atividade pede, por exemplo, que o aluno responda a dez perguntas com 70% de acertos (critério), o objetivo será atingido com qualquer percentual igual ou acima de 70%.
É possível traçar os objetivos do material a ser produzido, não só no domínio cognitivo (envolvendo conhecimento), mas também no domínio afetivo (envolvendo atitudes) e mesmo no domínio psicomotor (envolvendo habilidades). A definição desses objetivos leva em consideração não só a análise das necessidades mas também o tempo disponível, sendo às vezes muito difícil adequar os objetivos ao tempo de que se dispõe.
A seguir, apresentamos uma lista de exemplos em cada um desses objetivos nos três domínios, aplicado ao ensino de línguas (cada objetivo geral é seguido de objetivos específicos).
Taxionomia de objetivos para o ensino de línguas
Domínio cognitivo
1. Conhece o vocabulário relacionado a um determinado tópico
1.1 identifica sinônimos
1.2 relaciona antônimos
1.3 define palavras
1.4 nomeia objetos
1.5 soletra palavras
1.6 deduz o significado de palavras desconhecidas através do contexto
2 Compreende a estrutura gramatical
2.1 substitui palavras numa frase
2.2 transforma frases (interrogação, negação)
2.3 identifica anomalias gramaticais
2.4 fornece o tempo verbal correto
2.5 identifica sentenças completas
2.6 identifica sinonímia estrutural
3 Aplica regras gramaticais
3.1 constrói frases
3.2 responde oralmente
3.3 responde por escrito
3.4 traduz para o português
3.5 traduz para a língua estrangeira
3.6 apresenta alguém
3.7 cumprimenta
3.8 atende a um pedido
4 Analisa textos escritos
4.1 infere emoção
4.2 identifica estereótipos culturais
4.3 deduz conseqüências
4.4 descreve personagens
4.5 esquematiza enredo
4.6 descreve contexto
4.7 identifica tema
4.8 relaciona informação textual com informação extratextual
5 Integra conhecimentos de diferentes áreas
5.1 usa mecanismos adequados para iniciar e encerrar turnos de conversação
5.2 resume extraindo as idéias principais de um texto
5.3 usa o sumário e índice remissivo de um livro para encontrar a informação desejada
5.4 escreve um parágrafo bem organizado
5.5 completa exercícios de cloze
5.6 expressa relações entre partes do texto através de conectores
5.7 organiza adequadamente a informação num texto dissertativo
5.8 faz o mapa conceitual de um texto
5.9 transforma um mapa conceitual em texto
6 Julga o valor de material escrito
6.1 explica a finalidade de um mecanismo retórico
6.2 justifica o uso da linguagem figurada
6.3 relaciona estilo com objetivo
6.4 identifica níveis de formalidade
Domínio afetivo
1 Aceita diferenças culturais
1.1 olha com atenção para fotos
1.2 faz perguntas sobre ilustrações
1.3 aponta para detalhes das ilustrações
1.4 faz comentários sobre fotos
2 Demonstra interesse no tópico
2.1 oferece-se como voluntário para responder perguntas
2.2 faz atividades além do que é solicitado
2.3 traz material extra para a aula
2.4 pergunta sobre cursos na comunidade
2.5 cumprimenta o professor na LE
3 Aprecia obras literárias
3.1 tira livros emprestado da biblioteca
3.2 lê além do que pede o professor por prazer
3.3 discute diferentes autores
3.4 elogia algumas obras literárias
4 Integra conhecimento da língua em seu plano de vida
4.1 justifica a importância de conhecer a língua em sua futura profissão
4.2 lê revistas especializadas
4.3 busca na Internet tópicos tratados em aula
5 Demonstra consistência na prática da língua estrangeira
5.1 aproveita todas as oportunidades para praticar a LE
5.2 participa de salas de bate-papo na LE na Internet
5.3 procura ouvir e ler a LE diariamente
Domínio psicomotor
1 Reconhece vogais na língua estrangeira
1.1 discrimina vogais em pares mínimos
1.2 identifica a vogal numa sentença
2 Sabe a posição dos órgãos da fala para os diferentes fonemas
2.1 pronuncia corretamente seqüências de fonemas inexistentes na língua materna (slow)
2.2 explica a posição da língua para uma determinada vogal
2.3 mostra a posição correta dos lábios
2.4 abre a boca corretamente
3 Imita sentenças que ouve
3.1 repete adequadamente o modelo
3.2 executa exercícios simples de expansão
3.3 executa substituições em exercícios orais
4 Fala naturalmente
4.1 pronuncia sentenças em velocidade normal
4.2 usa a entonação adequada para perguntas
4.3 acentua adequadamente palavras em uma frase
5 Fala fluentemente
5.1 fala sem hesitação
5.2 produz frases no ritmo adequado da língua
5.3 usa pausas corretamente
6 Ajusta a fala à situação
6.1 fala mais rápido quando tem menos tempo
6.2 articula as palavras com mais cuidado quando diante de um auditório maior
7 Muda a pronúncia
7.1 imita sotaques regionais
imita a fala de pessoas famosas
A definição da abordagem
Uma vez definidos os objetivos de aprendizagem, é necessário selecionar os conteúdos pelos quais os objetivos serão alcançados. Se o objetivo, por exemplo, for levar o aluno a compreender um texto de uma determinada área de conhecimento, o conteúdo selecionado pode ser um texto, uma amostra do léxico típico da área, uma lista de determinados mecanismos retóricos ou uma integração de diferentes conteúdos. A opção por um desses aspectos é determinada pela filosofia de aprendizagem a que se filia o professor. Tradicionalmente, no ensino de línguas, há seis grandes abordagens (Krahnke, 1987), que ampliamos abaixo, incluindo aspectos da língua materna.
Abordagem estrutural. O que o aluno precisa aprender são o léxico e as estruturas gramaticais da língua. Deve saber expressar-se dentro de um vocabulário adequado e com correção gramatical. Pode haver uma tolerância maior ou menor para com os vícios de linguagem, incluindo estrangeirismos, problemas de regência, mas geralmente não são aceitos. A preocupação é mais com a forma do que com o conteúdo.
Abordagem nocional/funcional. A ênfase está no objetivo para o qual se usa a língua, na realidade, mais na função do que na noção. No caso da língua estrangeira, parte de uma taxionomia das funções: como discordar, apresentar alguém, pedir desculpas, etc. Também pode ser aplicado ao ensino da língua materna: como escrever uma carta de pedido de emprego, como rejeitar um convite educadamente, como solicitar ao auditório que se levante para cantar o hino nacional, etc.
Abordagem situacional. O conteúdo a ser ensinado parte de uma situação onde a língua é usada: visita ao médico, check in no aeroporto, abertura de uma reunião de negócios, etc. O pressuposto é de que nessas situações há uma seqüência típica de funções que ocorrem sempre da mesma maneira usando sempre o mesmo tipo de linguagem − e que pode, portanto, ser pré-determinado.
Abordagem baseada em competências. Parte do princípio de que a linguagem usada numa determinada situação é relativamente independente da situação, dependendo mais de competências e processos lingüísticos (domínio dos aspectos fonológicos, lexicais, sintáticos, discursivos, capacidade em detectar a idéia principal, em fazer uma apresentação oral, etc.) que perpassam diferentes situações.
Abordagem baseada em tarefa. Caracteriza-se por subordinar a aprendizagem da língua à execução de uma determinada tarefa. É a execução da tarefa que vai determinar que conteúdo lingüístico precisa ser aprendido. Diferencia-se da abordagem situacional, por não predeterminar esse conteúdo, que pode surgir de modo imprevisível durante o desempenho da tarefa.
Abordagem baseada em conteúdo. Põe a ênfase no conteúdo, usando a língua que o aluno precisa aprender. O pressuposto é de que enquanto o aluno presta atenção no conteúdo, acaba adquirindo a língua incidentalmente. O material portanto não é desenvolvido a partir de tópicos lingüísticos, mas de tópicos do próprio conteúdo.
Ainda que seja possível desenvolver material de ensino rigorosamente dentro de uma única abordagem, a prática sugere a integração de duas ou mais. É também aconselhável levar em consideração os objetivos de aprendizagem, e, a partir daí, escolher a abordagem mais adequada.
A definição do conteúdo
O conteúdo na produção de um determinado material pode ser definido de várias maneiras, dependendo da concepção que se tem de língua. Se entendo, por exemplo, que língua é um conjunto de palavras ligadas por regras gramaticais, faço um recorte do léxico e da sintaxe; se vejo a língua como um conjunto de eventos comunicativos, incluo outros aspectos como regras de formalidade, os lugares sociais de onde falam os interlocutores, os efeitos de sentido que suas falas podem provocar, etc.; se entendo a língua como um meio para desempenho de determinadas atividades, posso selecionar uma lista de tarefas que devem ser executadas pelos alunos: como escrever uma carta comercial, elaborar um currículo, fazer uma homepage, etc.
Quando se fala em produção de materiais, tem-se privilegiado o ensino baseado na tarefa. Nesse caso, há uma preocupação maior com o mundo real e o uso de dados lingüísticos autênticos. A idéia é de que o aluno não deve passar por um curso sem conhecer a língua como ela é realmente usada fora da sala de aula. Muitas vezes os alunos têm dificuldade de transferir para o mundo real aquilo que aprendem na escola. Não vendo aplicação prática para o conhecimento adquirido, acham-se muitas vezes donos de um conhecimento inútil. O uso de material autêntico pode ser uma maneira de facilitar essa transferência de aprendizagem.
A transferência, no entanto, parece estar apoiada em um paradoxo de difícil solução (1) para sobreviver no mundo real, o aluno precisa ser preparado pela escola; (2) para ser preparado, de modo que a aprendizagem faça sentido, o aluno precisa conhecer o mundo real. O desafio aqui − usando uma metáfora freqüentemente citada na educação (Weininger, 2001) − é como levar o aluno do ambiente protegido do aquário para os perigos do mar aberto. A solução proposta por alguns, usando ainda a mesma metáfora, é jogar o aluno no mar, puxando-o de vez em quando para que respire (Wilson, Jonassen & Cole, 1993). A idéia é de que o tempo entre o investimento inicial do aluno na aprendizagem e o retorno pelo esforço despendido seja o mais breve possível, o que pode ser facilitado na medida em que o aluno seja solicitado desde o início a realizar tarefas significativas e próximas do mundo real (Carroll, 1990).
Na definição do conteúdo, a preocupação está em definir da maneira mais clara possível o que exatamente o aluno precisa aprender para atingir os objetivos definidos anteriormente.
A definição das atividades
A produção de materiais de ensino é uma área essencialmente prática. A teoria é importante na medida em que fornece o suporte teórico necessário para justificar cada atividade proposta, mas subjaz à atividade, podendo ou não ser explicitada. Quem prepara o material precisa ter uma noção bem clara da fundamentação sobre a qual se baseia, mas vai concentrar todo seu esforço em mostrar a prática, não a teoria. A teoria trabalha nos bastidores; a prática é o que aparece no palco. Um bom trabalho de bastidores dá segurança ao que é apresentado, permitindo inovações e até ousadias.
As atividades propostas para o ensino de línguas têm sido tradicionalmente classificadas em quatro grandes áreas: (1) fala, (2) escuta, (3) leitura e (4) escrita. Os materiais podem ser preparados para cada uma dessas habilidades, em separado, ou de modo integrado, incluindo duas ou mais habilidades. A Figura 1 mostra o recorte de uma atividade que pode ser usada para a prática da leitura de tabelas, produção oral e escuta.
A definição dos recursos
A definição dos recursos envolve basicamente o suporte sobre o qual a língua vai ser apresentada ao aluno. Tradicionalmente o suporte mais comum tem sido o papel, que por sua vez pode ser subdividido em muitos outros (livro, jornal, revista, revista em quadrinhos, revista acadêmica, etc.). Com o desenvolvimento e barateamento das tecnologias de comunicação, outros suportes tornaram-se populares, incluindo fitas de áudio, fitas de vídeo e, mais recentemente, o computador e a Internet.
Figura 1 − Exemplo de material para ensino de Português como língua estrangeira.
A introdução do computador parece demandar uma nova alfabetização, ou literacia, com a exigência de novas competências, incluindo a capacidade de trabalhar com arquivos eletrônicos (saber como salvar um arquivo, copiá-lo de um computador para outro, compactá-lo e descompactá-lo, enviá-lo pela Internet, navegar na rede, localizar arquivos em qualquer ponto do planeta, instalar e desinstalar programas, usar anti-virus etc.). O computador, na realidade, representa uma convergência de diferentes tecnologias, incluindo textos, imagens, sons e movimentos.
Para quem possui as competências pressupostas pela nova literacia, os recursos que podem ser usados para o desenvolvimento de materiais de aprendizagem nunca foram tantos, tão fáceis de usar e tão disponíveis. Muitos recursos que há alguns anos só estavam disponibilizados para grandes empresas, com altos custos de produção, agora podem ser acessados por praticamente por qualquer indivíduo, a um custo irrisório ou inexistente. A Figura 2, por exemplo, mostra o resultado de uma pesquisa usando o Google, onde o objeto procurado era a imagem de mãe com filho (“woman” e “child” em inglês). Em menos de um segundo o sistema conseguiu localizar milhares de arquivos contendo imagens de mulher com criança.
Depois de acessado, um arquivo eletrônico, por sua natureza líquida, altamente mutável, pode ser modificado e reformulado de inúmeras maneiras (Maley,1998). Uma imagem pode ser não só ampliada, reduzida, alongada, distorcida, etc. mas também inserida num determinado texto que o professor tenha selecionado para um grupo de alunos. Seja qual for o texto, é sempre possível ilustrá-lo com uma foto ou desenho rigorosamente adequado a um determinado conteúdo ou objetivo de uma aula.
Figura 2 − Imagens selecionadas do Google com as palavras-chave “woman” e “child”, de um universo de milhares de imagens.
Ordenamento das atividades
Os dois critérios básicos para o ordenamento das atividades são facilidade e necessidade. Pelo primeiro critério, inicia-se pelo que é mais fácil e simples para o aluno, progredindo gradativamente para o que é mais difícil e complexo. O retorno pelo investimento feito na aprendizagem pode às vezes demorar um pouco, até produzir algo útil. Pelo critério da necessidade, começa-se pelo que é mais necessário e útil para o aluno, com retorno mais imediato. A situação ideal é aquela em que se possa unir os dois critérios; quando isso não for possível, a tendência tem sido sacrificar pelo menos parte da facilidade em benefício da utilidade antecipada.
Uma maneira mais ampla e geral de ordenar as atividades baseia-se nos nove eventos instrucionais de Gagné, assim descritos:
Garanta atenção. Inicie despertando a curiosidade do aluno para o tópico da atividade. Conte uma história, mostre uma ilustração, faça uma analogia, conte uma anedota, cite um pensamento interessante.
Informe os objetivos. Deixe claro para os alunos o que eles vão aprender: “No fim dessa atividade vocês vão saber como...”. Crie uma expectativa através dos objetivos.
Acione o conhecimento prévio. Faça os alunos pensar sobre o que eles já sabem. Relacione a atividade nova a situações e conhecimento que lhe são familiares.
Apresente o conteúdo. Mostre os pontos mais importantes, use técnicas variadas para manter a atenção e aumentar a compreensão. Use ilustrações, fotos, objetos.
Facilite a aprendizagem. Ajude os alunos a seguir no processo de aprendizagem, orientando, esclarecendo, dando exemplos.
Solicite desempenho. Mantenha participação ativa dos alunos. Peça para que executem tarefas relacionadas ao que estão aprendendo. Envolva-os perguntando, discutindo, demonstrando.
Forneça feedback. Deixe claro para seus alunos de como eles estão acompanhando a atividade, ajudando com mais esclarecimento quando necessário. Tente produzir o material de aprendizagem de modo a poder inserir feedback.
Avalie o desempenho. Verifique a aprendizagem dos alunos pela observação, perguntas. Na produção de materiais abra espaço para avaliação contínua.
Ajude na retenção e transferência. Faça com que os alunos lembrem o que estão aprendendo e ajude-os a aplicar seus novos conhecimentos.
A questão da motivação
Manter a motivação durante e após a atividade de ensino tem sido uma das grandes metas da educação e é uma das preocupações básicas na produção de materiais. A atividade deve ser prazerosa para o aluno, despertar sua curiosidade e mantê-lo interessado no assunto, mesmo depois que tenha terminado. O modelo mais conhecido para incorporar técnicas de motivação em atividades de ensino é o ARCS (Sigla para Atenção, Relevância, Confiança e Satisfação), desenvolvido por John Keller na Universidade do Estado da Flórida.
A teoria básica sobre a qual se apóia o modelo é a chamada expectativa de valor, segundo a qual a motivação é medida pelo esforço demonstrado na execução de uma tarefa. Para que haja esforço, duas condições são necessárias: (1) a pessoa deve acreditar que a tarefa seja importante; (2) a pessoa deve acreditar que é capaz de executar a tarefa (Vroom, 1964; Porter & Lawler, 1968; Tomlinson, 1998).
O modelo ARCS identifica quatro estratégicas básicas para sustentar a motivação:
Estratégias de atenção [A] para despertar e manter a curiosidade e o interesse. Pense em maneiras pela qual se pode introduzir uma novidade, surpresa ou incerteza no início de uma atividade. Como fazer perguntas e apresentar problemas que possam estimular a curiosidade? Como introduzir variação na atividade que está sendo proposta?
Estratégias de relevância [R] para mostrar a utilidade de uma tarefa, quais são seus objetivos e quais são os métodos que podem ser usados para chegar aos objetivos, mostrando também a importância que a tarefa pode ter na vida dos alunos. Permitir que os alunos exponham seus interesses e necessidades. Relacionar a tarefa à experiência e valores apreciados pelos alunos. Expor a tarefa de maneira clara e compreensível para os alunos.
Estratégias de confiança [C] que ajudem os alunos a desenvolver uma expectativa positiva de sucesso. Informar aos alunos quais são os critérios de avaliação, o que se espera deles em termos de trabalhos a serem executados. Oferecer oportunidades de sucesso através de projeto menores que preparem os alunos para os projetos maiores. Reconhecer o esforço pessoal do aluno e seus acertos em cada atividade proposta.
Estratégias de satisfação [S] que mostre reconhecimento pelo esforço intrínseco e extrínseco do aluno. Exemplos de esforço intrínseco envolvem a satisfação pela própria aprendizagem, possivelmente mostrando o exemplo de pessoas conhecidas que possuem a habilidade em questão. Exemplos extrínsecos incluem feedback, diplomas, homenagens, etc.
Implementação
A etapa da implementação pode receber um cuidado maior ou menor dependendo, via de regra, da maior ou menor presença de quem preparou o material. Há três situações básicas: (1) o material vai ser usado pelo próprio professor, (2) o material vai ser usado por outro professor, (3) o material vai ser usado diretamente pelo aluno sem presença de um professor. Cada um desses casos requer uma estratégia diferente de implementação.
Quando o próprio professor prepara o material para os seus alunos a implementação dá-se de modo intuitivo, complementada pelo professor, que oralmente explica aos alunos o que dever ser feito. Normalmente o material pressupõe essa intervenção oral, funcionando em “distribuição complementar” com o professor. Erros maiores e mal-entendidos que atrapalharam na implementação podem ser anotados e reformulados para uma próxima apresentação. A Figura 3 mostra um exemplo deste tipo de atividade.
Quando o material vai ser usado por um outro professor há necessidade de instruções de como o material deve ser apresentado e trabalhado pelos alunos. Usando ainda como exemplo a Figura 3, o autor teria que explicar o objetivo da atividade, o tipo de conhecimento que está sendo construído, como a atividade deve ser conduzida junto com os alunos, as possíveis respostas para as questões que estão sendo colocadas, como certas respostas dadas pelos alunos deveriam ser trabalhadas, etc.
A situação mais difícil e que requer maior cuidado é aquela em que o material vai ser usado sem a presença do professor. Há dois grandes desafios aqui: O primeiro é estabelecer contato com o aluno, idealmente oferecendo nem menos nem mais do que ele precisa, descendo ao seu nível de conhecimento mas sem distorcer a complexidade do saber que precisa ser apreendido. O segundo desafio, é tentar prever o que pode acontecer. Como o professor não estará presente durante a execução da tarefa, é preciso ter uma idéia das possíveis dúvidas do aluno. Prever, no entanto, é partir do pré-construído, sem espaço para a criatividade e o inesperado. Tudo o que o aluno fizer além do que estiver previsto no material ficará sem retorno, de modo que quanto mais criativo for o aluno mais abandonado ele ficará.
Figura 3 - Exemplo de material sem instruções de uso.
Alguns exemplos tradicionais de material produzido para ensino sem a presença do professor são os livros com chaves de respostas, cursos de línguas com fitas de áudio, às vezes incluindo perguntas com tempo de espera para a resposta do aluno, seguida da gravação da resposta correta para que o aluno possa escutar e comparar seu desempenho.
Com a informatização e a possibilidade da tomada de decisão pela máquina, a aprendizagem sem a presença do professor pode ser melhorada em termos de gerenciamento: uma ajuda automática pode ser apresentada para o aluno em caso de erro, a avaliação do desempenho pode ser dada logo após a resposta solicitada, uma estratégia de leitura pode ser sugerida no momento em que o aluno demonstrar precisar dela, etc.
A aprendizagem independente, sem a ajuda do professor, parece ter duas grandes limitações:
(1) Necessidade de alta motivação. A aprendizagem só ocorre se o aluno demonstrar o empenho suficiente para vencer todos os obstáculos que podem ocorrer durante a execução das tarefas. Será preciso muitas vezes refazer o trabalho, buscar ajuda em outros materiais, usando diferentes estratégias para resolver os inúmeros problemas que surgem. Sem essa motivação constante, que perdure além do entusiasmo inicial, não há possibilidade de manter o envolvimento necessário com o conteúdo para que a aprendizagem ocorra.
(2) Falta de uma avaliação externa. O aluno é o juiz de seu próprio desempenho. Como seu desempenho não é assistido, haverá erros e desvios em sua aprendizagem que passarão desapercebidos e poderão ficar automatizados. Mesmo em ambiente informatizado, não há possibilidade de captar todos os desvios que podem ser produzidos pelo aluno e que afetarão negativamente sua aprendizagem.
É possível que com a distribuição do conhecimento em rede - não apenas informação que se observa do lado de fora, mas conhecimento que se compartilha - o aluno tenha oportunidade de testar seus conhecimentos, comparando-o com o conhecimento dos outros. Algumas hipóteses já construídas serão rejeitadas, outras serão confirmadas e uma validação mais precisa da aprendizagem será possível. A aprendizagem autônoma não será a utopia prometida em muitos livros populares que aparecem nos jornaleiros, com títulos chamativos do tipo “Aprenda a falar em público sozinho”, “Francês sem mestre”, “Inglês em 30 dias” etc., mas poderá ser mais viável, por uma razão muito simples. Num mundo em que se distribui a inteligência e a cognição, a distribuição do conhecimento parece uma hipótese razoável. A própria autonomia - como a cognição, a inteligência e o conhecimento - deixa também de ser individualizada para ser coletiva e distribuída.
Avaliação
A avaliação de materiais pode ser feita de modo informal, geralmente quando envolve o trabalho de um único professor que prepara uma folha de exercícios, usa uma vez, vê como funciona, reformula para usar uma segunda vez, e assim indefinidamente com diferentes grupos de alunos, sem chegar a uma versão definitiva. Em outras situações, o material é preparado por um grupo de professores para uso próprio e/ou de outros colegas da mesma instituição. Nesses casos, a avaliação assume um caráter mais formal e pode ser feita por consultoria de um especialista ou por questionários e entrevistas com os alunos. Em escala maior, como no caso da publicação de um livro, os materiais são normalmente pilotados. (Donovan, 1998)
A avaliação formal pode também ser feita através de protocolos, onde os alunos, ao fazerem as tarefas solicitadas pelo material, procuram expressar o que estão pensando, demonstrando assim os tipos de raciocínio em que estão envolvidos, as estratégias de aprendizagem que estão usando e as atitudes que estão desenvolvendo.
Os questionários, entrevistas e mesmo a análise de protocolos têm sido criticados por não serem muito confiáveis. Por questões de respeito e ameaça à face do professor, o aluno poderá dizer não exatamente o que pensa mas o que acha que o professor gostaria de ouvir. Por isso, muitos pesquisadores preferem a observação direta do trabalho do aluno com o material; mais importante do que o que os alunos respondem ou dizem é o que eles realmente fazem. Isso só se consegue pela observação.
A pilotagem mostra basicamente o que pode permanecer como está e o que precisa ser melhorado. Isso só é possível quando o material é testado com os alunos para o qual se destina, quando então se pode constatar se houve ou não o ponto de contato entre o nível de conhecimento pressuposto pelo material e o nível real do aluno.
Conclusão
Em termos de teoria, principalmente no que concerne os papéis do professor e do aluno, a produção de materiais diverge tanto da abordagem tradicional, que põe o professor no centro do processo de aprendizagem, como da abordagem mais recente, que salienta o papel do aluno. Produção de materiais não está centrada nem no professor nem no aluno; está centrada na tarefa.
É importante não confundir produto com tarefa. O produto é o artefato produzido (a folha de exercício, a fita de áudio, o programa de computador). A tarefa é a atividade que resulta do encontro desse artefato com o aluno. Em outras palavras, o artefato é o instrumento pelo qual a tarefa se realiza. Ensino centrado na tarefa, realça obviamente a tarefa e não o artefato.
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